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Danilo Ireno Caduda

1972 - 2020

Criava miniaturas a partir de qualquer material. Apaixonava-se tanto por elas que não tinha coragem de vender.

Um homem extrovertido, determinado e, acima de tudo, alegre. Assim é possível resumir o jeito de ser e viver de Danilo.

A filha Taniê diz, amorosamente, que na vida do pai sempre esteve evidente que “sua missão na terra foi a de alegrar as pessoas. Por onde passava, iluminava o ambiente e fazia todos rirem com suas piadas”. Era assim em casa, no trabalho, com os amigos. Mesmo quando havia alguém triste, Danilo buscava o lado cômico da situação e, brincando com os fatos, conseguia dar leveza ao que entristecia e fazia com que todos rissem.

Nos encontros familiares, Danilo sempre contava as mesmas histórias, mas sabia como ninguém dar ares de primeira vez para cada uma delas. Nas narrativas, falava de sua própria vida com um humor peculiar. Mesmo quando estava se referindo a situações desafiadoras, o jeito de contar e os elementos destacados no enredo tornavam o caso engraçado. A habilidade de usar expressões corporais e todas as caras e bocas eram fundamentais para que conseguisse isso.

Não pode deixar de ser citada a risada peculiar e inigualável que vez por outra soltava no meio das narrativas. Na descrição da esposa Cátia e da filha Taniê, era uma espécie de grito seguido por uma gargalhada inconfundível, que por si só fazia rir.

Danilo chegava sempre muito adiantado a qualquer compromisso, e sofria com a ansiedade, que atrapalhava seu sono. Estava sempre com calor - com um ventilador ou ar-condicionado constantemente por perto - e recorria à comida para aliviar as tensões.

Fazia questão de demonstrar gratidão por acontecimentos corriqueiros. Certa vez ele e a filha Taniê estavam num restaurante e, antes de deixarem o estabelecimento, ele fez questão de ir agradecer à cozinheira pela comida saborosa. Na mesma linha, tratava os colegas de trabalho igualitariamente, não importa que posição ocupassem.

Outro traço marcante da personalidade de Danilo era o fato de ser sonhador. Às vezes esquecia um pouco o presente para viver e buscar suas conquistas. Foi o que aconteceu no tempo em que desejou ter uma aparelhagem de DJ. Danilo gostava muito de música, das bem antigas e dançantes. Saudosista, era comum ouvi-lo dizer que as melhores músicas eram as do seu tempo.

Conseguiu atuar como DJ e chegou a tocar em casas de show da região. Depois, quando a vida exigiu que buscasse uma renda mais estável, o ato de tocar com seus aparelhos de mixagem e reprodução passou a acontecer em casa. Aos domingos, ligava a aparelhagem e soltava o som, como se de fato estivesse comandando uma balada. O volume sempre alto ampliava o alcance de seu momento de grande prazer. A vizinhança sequer reclamava, pois o repertório era escolhido a dedo e a música embalava e alegrava a todos. Entre os hits preferidos de Danilo estava “Together in Eletric Dreams”.

Um acontecimento durante o tratamento dele tocou Cátia e Taniê. Sem que soubessem que Danilo gostava muito de música, a equipe de profissionais de saúde cantou para ele. Quando souberam do fato, as duas fizeram questão de agradecer.

Muito habilidoso para atividades manuais, Danilo foi um construtor de coisas. Taniê explica que o pai era como “um engenheiro sem ter sido formado na universidade”. Das mãos dele brotavam carrinhos de madeira e miniaturas. Cópias fiéis de carros e outras coisas, muitas vezes feitas a partir da reciclagem de materiais. Não sossegava enquanto não encontrasse matéria-prima para dar às miniaturas um ar de realidade. Danilo até pensou em ganhar algum dinheiro com o talento. Contudo, quase sempre, quando terminava a produção da miniatura, ficava tão apegado à criação que não tinha coragem de vender, deixando a peça enfeitar algum ambiente da casa.

Outra diversão da qual Danilo gostava muito era assistir a filmes e séries. Tinha preferência por canais com documentários históricos, pois se interessava em saber a respeito de acontecimentos marcantes e compreender como as coisas aconteceram. Em muitas conversas na mesa de casa, fazia comentários a respeito de suas descobertas. Era fã dos filmes da Marvel e de animações da Disney. "Não perdia um desenho”, lembra Taniê.

Mantinha uma divertida competição de xadrez com o filho Kauan. Desafiado, muitas vezes respondia que não ia jogar: como fora o vencedor da última partida, não teria por que correr o risco de perder a liderança. As partidas entre os dois costumavam ser bem equilibradas. Kauan ria muito de Danilo quando ganhava. Por sua vez, sempre que vencia, Danilo gritava anunciando a derrota do filho, enquanto fingia montar em seu “cavalo da vitória imaginário”, relembra Kauan.

Profissionalmente, Danilo, nos últimos tempos, era operador de empilhadeira. Mas era tão eclético que, além de DJ, foi também barman e até segurança em boate. A esposa Cátia frisa que sem emprego ele não ficava. “Sempre buscava uma atividade através da qual pudesse manter o orçamento familiar.”

Danilo era forte e tinha uma constituição física que, por si só, impunha respeito. “Isso até ele abrir a boca e começar a zoar das pessoas e fazer piada com tudo”, conta sorrindo a filha Taniê.

Graças a seu jeito extrovertido, a rotina em casa era marcada pela alegria e pelo afeto. Nos vinte e seis anos de relacionamento com Cátia demonstrou ser um homem apaixonado. Entre os pratos que Danilo sempre pedia que Cátia preparasse estão a pizza caseira, o medalhão de frango e uma sopa de legumes com frango, cheiro verde e torradinhas que ele amava.

Taniê diz que o pai era muito “meloso”, gostava de abraços e não perdia a oportunidade de elogiar. A filha relembra que nos momentos em que estava estressada o pai sempre sorria e conseguia fazer alguma piada para tranquilizá-la.

Com o filho mais novo, Kauan, os dias de aniversário eram marcados pelas mensagens do pai. “Quando eu acordava já encontrava o áudio dele com elogios e os parabéns. As brincadeiras entre os dois eram constantes. O caçula conta que certa vez estava na escola, olhou o celular e encontrou um áudio de Danilo dizendo: “Olha o que eu achei aqui. Parece você”. Quando Kauan abriu o arquivo enviado junto com o áudio, via uma foto do Zeca Urubu (vilão do desenho animado Picapau). O filho “zoava” de volta falando que o pai parecia o Calisto, um outro personagem do desenho animado que os dois assistiam juntos.

Cátia ressalta a cumplicidade entre pai e filho. Na maioria das vezes, a mistura dos temperamentos extrovertido de Danilo e mais introvertido de Kauan tornava impossível que falassem sério. Contudo, em muitas situações a figura do pai foi muito importante para o filho.

A memória de Danilo segue viva nos momentos em que a família ouve a melodia da música “The Perfect Life”, que ele considerava sua música da vitória. E também no cuidado da família com seus equipamentos de DJ, juntamente com a lembrança dos momentos de muito carinho vivenciados por todos da casa.

Danilo nasceu em Sumaré (SP) e faleceu em Campinas (SP), aos 48 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa, pela filha e pelo filho de Danilo, Cátia Raquel de Souza Correia, Taniê de Souza Caduda e Kauan Correia Caduda. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 21 de agosto de 2021.