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Denise da Silva

1966 - 2021

A família orbitava ao redor de sua energia conciliadora, porque assim como o sol, ela tinha uma luz inexplicável.

Ela foi uma mãe apaixonada pelos filhos — Paola, Vik e Caco. Era uma grande alegria estar reunida com eles. Uma das brincadeiras preferidas por eles era acordá-la para ficarem juntos na cama conversando sobre várias coisas.

Denise era a matriarca da família, sempre amorosa e presente, mesmo enfrentando situações difíceis. Ensinou os filhos a olhar para frente e encarar a vida. Quando sentiam medo de alguma coisa do futuro, ela dizia: "Vai com medo mesmo".

Ligada à família de origem, era muito próxima dos pais e do irmão mais velho, e fazia tudo para e por eles. O seu maior medo era perdê-los. Adorava relembrar a infância e as peripécias que aprontava com o irmão.

Sempre quis fazer uma faculdade e aos 50 anos começou a cursar Direito. Era uma aluna muito aplicada e ir para a aula era uma das suas paixões. Acabou “adotando” um monte de colegas na faculdade. Cuidava de todos e algumas vezes se deixava em segundo plano. Nesse período, os filhos viviam um misto de alegria e tristeza ao verem como ela era querida pelos colegas de turma. Tristeza, por saber que muitos não tinham a sorte de ter uma mãe como ela; alegria, por saber que só eles tinham esse privilégio. O que mais ouviam de seus colegas era que queriam ter uma mãe como ela.

Denise era amiga e companheira para todas as horas. Adorava ter a casa cheia com a família. Os sábados geralmente eram os dias mais felizes. Também amava passear em lugares diferentes, tanto em sua cidade como em outras. Quando não conseguia viajar nas férias, conforme costumava planejar, ela levava pelo menos um filho para viajar com ela a trabalho. Paola se recorda desses momentos dizendo: “Acho que eu, que sou a mais velha, tive mais desses momentos... E até hoje a estrada é o que mais me lembra ela. Todas as conversas importantes sobre a vida e todo amor que a gente tinha uma pela outra foram compartilhados também durante essas viagens, onde cantávamos, ríamos, chorávamos, brincávamos".

“Ela também teve muitos momentos assim com meu irmão mais novo, pois levava ele para cima e para baixo, muitas vezes até à cidade vizinha. Os dois compartilhavam o gosto por música sertaneja e moda de viola. Depois que crescemos e ficou difícil ter todos os filhos ao mesmo tempo, ela ainda era a rainha dos passeios. Pelo menos até o centro ou ao 'shopping' íamos para dar uma voltinha ou comer alguma coisa. Afinal, mamãe sempre tinha alguma coisinha que precisava comprar. Geralmente era a tinta para o cabelo. Sábado era quase um dia de 'salão' em casa... Sempre estavam mamãe, minha tia Eliana, minha avó Clarisse, minha irmã e eu... Fazíamos as unhas e aproveitávamos o dia para um 'beauty care'".

“Outro passeio que não podia faltar em família e a gente sempre dava muita risada era ir à Festa Junina da cidade. Na última vez que fomos, aproveitamos a valer o 'show' do Zé Ramalho, e também rimos muito uns com os outros, observando as reações que tínhamos nos brinquedos do parque.”

Denise se esbaldava com aquele balde de frango frito à moda americana e amava comida japonesa. Não era muito de cozinhar, mas aos domingos preparava coisas deliciosas como filé ao molho de páprica, bobó de camarão, parmegiana e macarrão com abobrinha ao shoyo. Também fazia bolinhos de chuva perfeitos.

O Natal era sua época favorita! Seu primeiro casamento foi num dia 25 de dezembro e uma coisa que ela sempre falava era sobre sentir o "cheiro do Natal". Ela geralmente enfeitava a casa no meio de novembro e só desmanchava os arranjos no final de fevereiro, às vezes em março. Adorava apreciar aqueles adornos que colocava pela casa, achando todos lindos! Um passeio clássico dessa época era ir ver as casas enfeitadas. Também íamos ao Santo Daime, pois o sítio era todo enfeitado com luzinhas coloridas, fazendo o local se transformar em um lugar mágico.

“Ela gostava de se arrumar e estar bem-vestida. Na maioria das vezes usava salto alto. Temos saudade de ouvir o som do salto no chão de taco. Era quando sabíamos que ela tinha chegado e aí o coração já ficava quentinho de novo, por ela estar por perto. Outra coisa que não faltava nela era algum enfeite dourado. Usava um colarzinho que tinha duas meninas e um menino e dizia que éramos nós três. Amava dourado, brilho e roupas bonitas. Além de arrumada, estava sempre cheirosa. Depois do banho, adorava passar seus cremes e colocar seu roupão fofinho”, conta Paola.

"Ela era a própria diversão: só de estar presente o clima todo virava uma festa, o coração ficava alegre. Ela era alegre e sempre encontrava um motivo para estar alegre. Adorava rir, tirar um sarro da gente e com a gente (saudável, diga-se de passagem) e o que fazíamos de melhor era rir juntos."

"Gostava de ouvir Creedence, Abba, Queen, Elvis, moda de viola e música eletrônica, mas sempre ouvia com os filhos as músicas que eles gostavam, mesmo as mais esquisitas e controversas! Como boa sagitariana estava sempre animada e fazendo alguma coisa divertida. Também gostava de coisas e filmes de época. Assistiu com Paola várias vezes o clássico Orgulho e Preconceito e a série Outlander. Ela se encantava com arquitetura e móveis que lembrassem algum período entre os séculos XIX e XX.

Denise também gostava de se aventurar em coisas novas. Sempre inventava alguma atividade diferente, fazendo sabonetes, velas, quadros, artesanato e costura. Para despertar a criatividade nos filhos comprava folhas, tintas, canetas, corantes e sempre os ajudava com as loucurinhas que inventavam. Ela os apoiava em tudo e achava lindo tudo o que faziam, mesmo se fosse um coração rabiscado no cantinho do papel. Junto com as filhas, mantinha a tradição de todo final de dezembro ou início de janeiro saírem para escolher uma agenda e uma caneta bem bonita para iniciarem o ano.

Gostava de aprender coisas novas e adorava uma teoria da conspiração e histórias de alienígenas. Guardava nossos dentes de leite, umbigos e até uma unha que caiu quando eu era criança. Sempre andava com um pedaço de fita de cetim. Tinha uma no quarto para a hora de dormir e outra na bolsa que levava consigo. Gostava de ficar mexendo na fita de um jeito que ninguém conseguia descobrir como fazia: ia puxando, depois enrolava, depois esticava e começava novamente. Conta Paola: “Às vezes a gente brincava que ia esconder a fita, mas ela tinha muitas de reserva”.

Adorava ser livre e odiava ser cobrada ou pressionada por qualquer coisa que fosse; quando isso ocorria, ficava muito brava. Sempre deu liberdade aos filhos para serem como eram com suas roupas, ideias e sonhos. Nem tudo eram flores, mas no fim ela sempre os apoiava e estava ao lado deles, sendo sincera com os próprios sentimentos e nunca lhes negando nem os privando de diálogos francos e abertos.

Generosa e empática, sentia profundamente quando via alguém inferiorizando um outro alguém e se, por algum motivo banal, um filho seu demonstrasse um pouquinho desse traço de superioridade, ela fazia sempre questão de lembrar que ninguém é mais do que ninguém e que o que nos faz ser alguém na vida é a compaixão. Isso, para ela, ia além do discurso. Trabalhava arrecadando recursos para instituições beneficentes e também colaborava em APAE, asilos e orfanatos, sempre fazendo questão de levar os filhos, como parte de sua formação.

Odiava injustiça e ensinou os filhos a sempre acolher e ajudar aqueles que precisassem. Tinha uma fé muito grande e mostrava o real significado do cristianismo com seu coração gigante e gentileza com todos. Sempre levava uma cesta básica e um lanchinho em seu carro, para oferecer a pessoas em vulnerabilidade que a paravam no farol ou que ela via na rua. E sempre comentava: “Se eu disser que não tenho, estarei mentindo. Se eu disser que não quero, estarei sendo uma pessoa muito ruim e eu não sou assim. A gente não sabe por que essa pessoa está onde está, então se eu puder fazer um pouquinho para ela ficar bem, pelo menos por agora, é o que eu vou fazer”.

Paola, saudosa, diz que daria para escrever um livro contando todas as mínimas coisas que faziam Denise ser como era. Todas as mínimas coisas que a fazem sentir saudade: “Os momentos antes do almoço de domingo, quando ajudávamos a fazer o almoço e a preparar a casa para a chegada dos meus avós; o jeito que ela segurava o cachorro; todas as expressões faciais; o jeito de mudar a marcha; o raciocínio rápido; o jeito de andar; o toque macio das mãos; o jeito que a pontinha do nariz mexia enquanto ela falava; o jeitinho que ela dançava; o jeito que nos abraçava, a gargalhada... Se eu tentasse resumir minha mãe de algum jeito seria: 'Ela era o nosso sol e sua luz iluminava a todos com um amor incondicional'".

“Era colo para todas as horas, chorava e ria conosco, não se importava em mostrar-se vulnerável. Acho que é por isso que sempre a víamos como uma pessoa forte, porque apesar de tudo, sempre voltava. Nos apoiava e nos incentivava em nossos sonhos. Ensinou a importância de sonhar e de se esforçar para tentar realizar o que se deseja. Tudo isso a fazia ser um colo gigante de mãe e, de alguma forma, nos ensinou a ser colo também. Nos ensinou a rir das situações, a procurar o lado bom das pessoas e da vida, a chacoalhar a poeira e dar a volta por cima. Sempre tentava dar um jeito de deixar tudo bem.”

“Ela nos ensinou a sermos gratos por tudo o que temos, principalmente por termos amor. Nos ensinou a ser gentis e humildes com toda e qualquer pessoa, independentemente de cor, classe social ou qualquer outra coisa do tipo. Nos ensinou a ser seres humanos humanizados, com capacidade de cultivar amor em qualquer brechinha."

“Não foi à toa que tatuou uma fênix no ombro... Ela dizia que nos momentos difíceis a tatuagem a ajudava a lembrar-se de que sempre é possível renascer. Esse foi um grande ensinamento que nos deixou, inclusive para elaborarmos o luto pela sua perda.”

Denise nasceu em Osasco (SP) e faleceu em Sorocaba (SP), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Denise, Paola de Ávila Barbosa. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 28 de novembro de 2022.