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Diamantino Marques

1947 - 2021

Amava relembrar as muitas e divertidas histórias da infância.

Ele fazia jus ao nome de batismo. Era, de fato, um átomo puro de carbono: brilhante, resiliente e radiante. Um ser humano de rara e indestrutível beleza interior. Diamantino no registro, "Manti" para os irmãos, "Seu Marques" para os amigos, "Veinho" para os quatro filhos e "meu Dinha, de vidinha", para a esposa Ângela. "Era assim que nos o chamávamos, foi meu marido por trinta e três anos, meu namorado e meu melhor amigo. Sempre acreditou em mim, até mais que eu mesma".

Paulista de Limeira, Diamantino teve a infância muito pobre, mas não infeliz. "Ele contava que não tinha sapatos, entretanto aprontava bastante nas brincadeiras com os irmãos. Ele dava risada da irmã que cantava no circo e, às vezes, até fugia de casa para não ser castigado, se alimentando de goiabas. Era tão danado que uma vez tirou os botões da capa do pai pra jogar futebol de botão. Ríamos muito das histórias dele", lembra Ângela.

Na adolescência, a mãe de Manti o acompanhou numa entrevista de emprego. Ângela conta que perguntaram se ele sabia datilografar e a mãe garantiu que sim, mas Diamantino nunca tinha visto uma máquina de escrever na vida. "Meu Dinha conseguiu a vaga, se esforçou e progrediu no trabalho. Foi bancário, comerciante e vendedor. Chegou ao posto de gerente adjunto de uma grande multinacional, viajou pelo mundo e tinha muita sabedoria. Na aposentadoria, como não conseguia ficar parado, abriu a loja, a Adega do Marques".

Foi exatamente nessa multinacional que Diamantino conheceu sua segunda esposa e seu grande amor. "Percebemos muita afinidade entre nós, éramos almas gêmeas. Ficamos 33 anos juntos. Um cuidava do outro sempre, não fazíamos nada um sem o outro. Tudo que tenho na minha casa compramos juntos, escolhemos juntos. Não tomávamos nenhuma decisão sem consultar o outro. Gostávamos de comer bem, viajar, mas sempre juntos. Se um não podia ir, então ninguém ia", ressalta Ângela.

Com ela, Diamantino teve o filho caçula. Os outros três nasceram durante o primeiro casamento. "Era um pai maravilhoso, carinhoso, porém, firme quando precisava. Com seu coração imenso e generoso, não deixava passar nenhum aniversário em branco. Ele nunca se esquecia. Nosso filho tinha quase 30 anos quando Dinha faleceu e deixou cinco netos mais uma bisnetinha que nasceu quando ele já estava internado e, infelizmente, não chegou a conhecer" relembra a esposa.

Trabalhador incansável, Diamantino nunca tirou férias direito. "A marca dele era a paixão que tinha pelo trabalho", afirma Ângela. Aposentado, abriu a Adega do Marques, lugar onde os amigos se reuniam todo os finais de semana. "Alguns clientes iam lá mais pela amizade, era tipo um ponto de encontro. Ele adorava estar entre os amigos, para eles Diamantino era o 'velho Marques'. Depois que ele se foi, tivemos de fechar a loja. Os amigos ficaram perdidos. Até hoje não acharam outro local para se reunir e dizem que, sem o Velho Marques, perdeu a graça".

Fã da boa mesa e guloso, o Veinho não resistia aos doces, um problema, uma vez que era diabético. "Dinha era formiga. Da sua sobremesa preferida, pêssego em calda, comprava latas e latas. Eu brigava com ele, mas ele dizia que podia comer porque "era fruta", ri Ângela. "Ele sempre comia doces escondido. Às vezes eu aparecia de surpresa na loja e lá estavam as embalagens de chocolate, bombom", lembra Ângela.

A teimosia também era um traço marcante da personalidade de Diamantino: "Ranzinza, tudo tinha de ser do jeito dele. Gostava de comer pão junto com a comida, eu ralhava porque era muito carboidrato para ele, mas quem disse que ele ligava?", rememora a esposa.

Apesar de ser bom de mesa, não sabia cozinhar, "era desastrado na cozinha", mas isso não o impedia de passar receitas para os amigos. Não dava o braço a torcer e torcia fanaticamente pelo Timão. "Não perdia nem um jogo e colecionava camisas do Corinthians. Dei uma de recordação para cada um dos filhos, mas as que ele mais gostava eu guardei comigo" comenta a esposa.

Diamantino era devoto de São Judas Tadeu. A querida imagem esculpida em madeira está com a esposa. Esculturas de coruja também estavam entre as preferidas deste pai e avô coruja, a pessoa "de referência" na família. "Ele se preocupava com todos, sempre ajudava todo mundo. Seus filhos e netos eram tudo pra ele. Era alegre, otimista, persistente, cheio de manias, todavia, o melhor amigo que alguém poderia ter", garante Ângela.

Adoeceu 15 dias antes de receber a primeira dose da vacina. Lutou como um guerreiro, mas se foi exatamente no dia dos namorados", lamenta Ângela, que nos últimos quatro anos de vida do marido, fazia questão de acompanhá-lo nas sessões de hemodiálise. "Sou enfermeira, então fiz plantão em todos os finais de semana para folgar nos dias de tratamento dele".

Ângela credita ao marido o fato de ter conseguido se formar e ter um bom emprego. "Ele foi uma das melhores pessoas que conheci na vida. Trabalhou duro para formar todos os filhos e não sossegou enquanto não me viu formada também. Amava a família, os irmãos. Deixou um imenso vazio em mim, sinto uma saudade que dói no peito. Nunca vou esquecê-lo. Vou amá-lo e honrá-lo para sempre!"

Diamantino nasceu em Limeira (SP) e faleceu em Curitiba (PR), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa de Diamantino, Angela da Costa Barcellos Marques. Este tributo foi apurado por Talita Camargos, editado por Luciana Assunção, revisado por Claiane Lamperth e moderado por Rayane Urani em 19 de maio de 2022.