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Dilma Maria Eleutério de Moraes

1939 - 2020

O sorvete de baunilha, aquele coberto com uma fina casquinha de chocolate, era seu preferido.

Por ter o mesmo nome de uma conhecida economista e política mineira, volta e meia tiravam um sorriso do seu rosto, quando carinhosamente a chamavam de Presidenta.

Casou-se, no ano de 1962, com Ademar Raymundo de Moraes, em uma união repleta de amor e companheirismo por quarenta anos, até o falecimento dele. Como não podiam ter filhos, aos 40 anos eles optaram pela adoção. Rita veio para transbordar ainda mais felicidade à vida do casal. Sete anos mais tarde, Dilma e Ademar adotaram Bianca, que completou a família. "Tivemos uma infância extremamente feliz. Nossos pais se desdobravam para nos dar o melhor: as melhores escolas, as melhores roupas, os melhores presentes, a melhor vida que pudéssemos ter", recorda Rita.

Ademar foi por muitos anos vereador em Catanduva e Dilma, que conhecia muita gente na cidade, era seu braço direito na campanha para as eleições. Os dois estavam sempre juntos e faziam questão que as filhas participassem desses momentos. "Foi uma época muito legal! Eu sempre os acompanhava aos comícios e nas viagens ao Santuário de Aparecida do Norte, pois meu pai conseguia transporte municipal gratuito para as pessoas", relembra Rita.

Dilma foi uma excelente alfabetizadora e por anos lecionou com muito amor e dedicação em uma comunidade carente. Tinha um carinho enorme por seus alunos e, em casa, ela contava, com enorme entusiasmo, sobre suas práticas de alfabetização e sempre levava as filhas na escola em que trabalhava. O amor à profissão gerou frutos: sua filha mais velha decidiu seguir os passos da mãe e se tornar professora. "Às vezes, quando estávamos andando na rua e algum aluno a encontrava, logo ia dizendo o tanto que ela o ajudara e fizera parte de sua vida. Uma sensação incrível! Eu a admirava muito por isso", conta Rita. Durante toda a vida, Dilma soube conciliar muito bem trabalho e família, pela qual tinha muito apego, mantendo-se sempre presente na vida de todos os seus amados. Cuidou de seus pais e sentiu profundamente a perda de cada um dos seus quatro irmãos. Além das filhas, os netos, Eduardo – que ela carinhosamente chamava de Eduardinho – e Frederico, também eram seus grandes amores.

Dilma tinha uma vontade genuína de ajudar a todos que precisassem, de várias maneiras. Em sua casa sempre ia muita gente, pois todos a conheciam e sabiam de sua força. Com sua família, não era diferente. Rita conta que a mãe sempre esteve ao seu lado em todos os momentos, nas alegrias e nos percalços. "Foi ela quem sempre me apoiou e me deu colo. Quando eu quis conhecer minha mãe biológica, ela a procurou até encontrar. Com seu coração bondoso, ela me apresentou à minha mãe biológica! Esse encontro me fez perceber que minha mãe era a Dilma e era ela quem estava em meu coração e sempre estaria. Houve vezes em que meu mundo desmoronou e eu só tinha a ela para me ajudar, para me reerguer. E assim ela fez. Sempre fui muito reservada e de poucos amigos. Não gostava de compartilhar meus sentimentos. Só falava com ela. Minha mãe, minha amiga, minha confidente, minha companheira e minha alma gêmea. Sabia que podia contar tudo para ela porque ela me entenderia. Sempre tivemos um relacionamento muito próximo. Acho que de vidas passadas. Um amor muito grande, maior que tudo, almas gêmeas. Nossa conexão era inquebrável". E, ainda, completa: "Quando me mudei para Florianópolis, ela me visitava sempre e arrumava minhas mudanças de casa e de cidades. Ela ia de ônibus, viajando por mais de 12 horas, só para me ajudar. Ficávamos horas no telefone, gastando uma fortuna, na época, mas ela sempre dava um jeito, porque sabia que naquele momento tê-la por perto era importante para mim".

Ela tinha paixão por doces e às vezes comia escondido da família. Radiante, possuía uma alegria de viver, que contagiava todos ao seu redor e uma gargalhava característica, que emanava sorrisos em quem a escutava. Impossível não se recordar das vezes em que a família foi à praia e dos seus olhos brilhantes ao ver o mar. Ativa, gostava de arrumar e organizar as coisas, sempre à procura de algo para fazer. Volta e meia ajudava as filhas nos afazeres domésticos e fazia todo tipo de atividade, sempre cantando suas músicas preferidas.

"Foi tudo tão rápido! Confesso que até agora não 'caiu a minha ficha'. Ainda não entendo, não aceito. Ela estava bem, nem aparentava ter 81 anos, que completou no dia 3 de agosto de 2020, mas faleceu vinte dias depois. Falávamos ao telefone o tempo todo, muitas vezes ao dia, às vezes só pra falar o que íamos fazer no almoço, essas coisas... De repente, não ouvir mais sua voz foi desesperador. Tem um vazio no meu peito e meu coração está despedaçado. Não sei como vou fazer sem ela, sem sua voz, seu carinho. Às vezes, fico pensando que foi tudo tão cruel porque não pude conversar com ela antes de sua partida, não pude estar ao seu lado, segurar sua mão, porque sei que ela estava apavorada. Não queria que ela tivesse ficado sozinha. Isso é muito cruel. Tanta coisa eu tinha para falar. Ela era minha confidente e eu a dela. Sei que ela tinha mais coisas para me dizer, sei que ela queria que eu estivesse ao seu lado naquele momento. E eu não pude, isso me consome. Tenho certeza, porém, de que ela está em um bom lugar. Só pode estar. Depois dessa vida linda, de tanta luta, de tanta bondade, de tanta dedicação, só pode estar desfrutando da vida eterna, ao lado do Pai. Eu a amo tanto, mas tanto, que está difícil seguir sem minha amiga, minha companheira; mas sei que vou conseguir, pois seguirei seu exemplo de luta e coragem para enfrentar a vida. Todos dizem que puxei a ela. Certa vez, ela me disse que sabia do amor imenso que sentia por ela e que se um dia ela fosse embora deste mundo, eu seguiria com coragem, seguindo seu exemplo. Ela merece todas as homenagens do mundo. Te amo para sempre, minha querida", finaliza Rita.

Dilma nasceu em Catanduva (SP) e faleceu em Catanduva (SP), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Dilma, Rita de Cássia Eleutério de Moraes. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Thalita Ferreira Campos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 7 de novembro de 2021.