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Domingos Rodrigues Costa

1949 - 2020

Gostava de ouvir as músicas da Jovem Guarda no som do carro, o que fazia ali mesmo, em casa, dentro da garagem.

Seu Domingos, Seu Dodo, Seu Dute, Mestre, Frai... Entre nome e apelidos, um homem de um coração sem igual. Amava sua esposa, que chamava carinhosamente de Nega, com quem teve quatro meninas: Maria, Marisa, Marina e Marcela. Os netos Gabriele e Gustavo também ocupavam um lugar especial no coração dele.

Nos anos 1970 veio da Bahia para São Paulo, firmando-se ali. Tempos depois sua esposa veio também. Trabalhou durante muito tempo como Químico numa empresa. Gostava de fazer fórmulas “malucas” e de dar apelidos para todo mundo no trabalho — onde era muito engraçado e, ao mesmo tempo, pirracento. “Quando Domingos ficava com o bico 'deste tamanho', segura!”, dizia o dono da empresa. Quando queria falar com as pessoas, falava; mas quando não queria, ninguém o fazia mudar. Era muito tranquilo, pontual, disciplinado e extremamente comprometido.

O trabalho era uma de suas maiores ocupações. O tempo livre dedicava às viagens: pra Bahia para ficar com a família e para Aparecida, em São Paulo. Outra coisa que gostava muito de fazer era ouvir música: ligava o som do carro, ali mesmo dentro da garagem, e ficava ouvindo músicas da Jovem Guarda. O cantor mais ouvido era Roberto Carlos. Ele cantava muito para sua esposa — uma boa mistura de romântico e tímido.

Domingos gostava muito de estar com os netos: Gustavo — o “moleque” ou o “campeão”, como ele o chamava — e Gabi. Brincava, levava ao parque e para andar na rua. Mancava um pouquinho, por conta da idade e do muito que trabalhou. Porém, ainda que com dificuldade, sempre dava um jeitinho de estar com os netos.

Para as filhas, deixou grandes ensinamentos, principalmente que fossem honestas e dessem importância a perdoar o próximo, mesmo quando parecer impossível. “Se você quer isso na sua vida, você corre atrás. Se você ama essa pessoa, você corre atrás. E bote o sorriso no rosto", relembra a filha, sobre a dose de coragem que ele lhe dava.

Gostava de reunir a família e às vezes fazia um churrasquinho. Ao mesmo tempo que gostava muito de ter a família por perto, também gostava de ir para o seu cantinho e ficar sozinho na sala onde tinha a TV: era o seu espaço na casa, onde ele ficava só com ele mesmo. E quando chegava do trabalho, às vezes lia um pouquinho da Bíblia e assistia à missa.

Cozinhar ele não sabia. Certa vez até conseguiu a façanha de acender uma chaleira em cima da tampa de vidro do fogão. Ele quase não se sentava à mesa para jantar, comia no canto dele. Teve dois grandes sonhos: saber a respeito de sua paternidade e encontrar seu fusca que foi roubado.

Nunca passou a mão pela cabeça dos filhos. O que estivesse errado ele corrigia. Ele gostava de “pirraçar a minha mãe”, diz a filha. Sua esposa sente muita falta disso, até das pirraças que ele fazia. Dentro de casa ele era mais reservado, mas com as pessoas da rua ele gostava muito de brincar. Tinha um jeito expansivo e quando tinha intimidade era ainda mais brincalhão.

Apaixonado pela vida, amava dar conselhos. Sempre foi um homem temente a Deus e de uma sabedoria enorme. O que pudesse fazer para ajudar as pessoas, ele fazia. Doava uma cesta, pagava uma conta, ajudava a levar ao hospital, fazia visita, ele era muito de fazer e pouco falar. Mas quando falava sua fala, além de certeira, era carregada de gestos. As pessoas diziam: “Seu Domingos sempre me ajudou, falando 'isso ou aquilo'”. As histórias das pessoas que ele ajudava continuaram chegando até a família depois de sua partida.

A filha Marcela deixa uma mensagem ao pai: “Eu agradeço muito a existência dele nesses trinta e um anos em que a gente conviveu. Acredito que ele continuará olhando pela gente, como um pai zeloso, um marido exemplar e como vô de quem não tem se nem o que falar. Então eu espero mesmo que ele esteja num bom lugar. Sua netinha que está para chegar conhecerá sua linda história, meu velho, e garanto que a Melissa terá muito orgulho de ti.”

Domingos nasceu em Malhada (BA) e faleceu em Barueri (SP), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Domingos, Marcela Magalhães Costa. Este tributo foi apurado por Míriam Ramalho, editado por Raphaela Medeiros, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 24 de maio de 2022.