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Donizeti de Melo Balbino

1969 - 2020

Teve amores, mas nunca se casou. Ou melhor, casou-se com a música, com seu violão.

Os irmãos Luiza e Donizeti tinham pouca diferença de idade. Quando eram crianças, brincavam de Zorro com cabos de vassouras no lugar de espadas. "Desculpa, Doninho, foi sem querer", ela dizia quando dava com o cabo na mão do irmão. Mas, na verdade, ela diz que "eram vinganças a conta-gotas das vezes que ele, mais forte, me batia".

Já na entrada da adolescência, Donizeti ficou com o rosto como pingos de carvão de tantos cravos. Luiza adorava espremê-los. "Um dia", conta, "ele estava deitado no meu colo enquanto eu, freneticamente, espremia os cravos. Quando menos esperávamos, dei uma babada na boca dele com um fio comprido que foi parar direto em sua garganta. Ele engoliu sem nem esperar", diverte-se. Eles riram aquele dia e em tantos outros todas as vezes que se lembravam disso.

Para irritá-lo, a garota lhe deu vários apelidos: Doni, Doninho, Fio, Fiiii. Cresceram um pouco, então vieram: Dô, Dorni, Cão, Corno, Cô, Praga, Praga da Peste. Ela também inventava rimas: "Donizeti, canivete, põe no fogo e não derrete pra fazer caminhonete".

Uma vez, Donizeti trancou a irmã no quarto da mãe e disse que tinha vampiros lá dentro. A garota fez um escândalo de medo. Para piorar, ele começou a passar a mão com uma luva por debaixo da porta. "Parei de chorar e tive uma ideia. Peguei uma régua de madeira e bati com toda força na luva, mas não eram dedos que a preenchiam, mas sim lápis. Quebrei-os todos", ri ela.

Os folguedos infantis passaram, eles cresceram e as responsabilidades vieram. Luiza seguiu seu caminho, casou, teve filhos - do mais velho, Donizeti é padrinho. Já o irmão teve muitos amores, mas não se casou. "Ele casou-se com a música, com seu violão", diz a irmã. Optou por estar ao lado da família de origem, de quem ele nunca se afastou.

Donizeti nasceu em Uniflor (PR) e faleceu em Sertãozinho (SP), aos 51 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela Irmã de Donizeti, Luzia de Melo Balbino Lovato. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Ticiana Werneck, revisado por Otacílio Nunes e moderado por Rayane Urani em 19 de outubro de 2020.