1936 - 2020
Rodava o salão inteiro ao som de boleros, valsas e tangos.
Diante de alguém desconhecido, dizia: “Sou o Dorival, mas pode me chamar de Dodô!”, e havia tanta ternura nessa fala, pois ela não apresentava só um apelido, anunciava sua existência. Apelidos, afinal, têm a missão de trazer a público uma característica íntima de alguém. E “Dori” não dava conta de traduzir o cuidado, a afetividade, o amor que era Dorival. Assim, com o tempo, fez-se Dodô. Quem não abre um sorriso diante desse pedido? “Pode me chamar de Dodô!”
Mas nem sempre foi assim, descontraído. Por anos, serviu como cabo da cavalaria no quartel. A dureza e a disciplina na base militar foi espelhada na criação dos cinco filhos, Marcos Walmir, Francisco Rogério, Rita de Cássia, Marcio Gentil e Marcelo Aparecido. De início, foi um pai bravo, pronto para colocar as crias no rumo certo. Com o tempo, no entanto, uma espontaneidade, própria das existências doces, fez de Dorival um pai muito mais amoroso e paciente. Assim, quando as crianças se aproximaram da adolescência, passou a conversar e a ouvir os filhos. Recuperou a criança interior pra contar e reproduzir a infância em seu lar. Fazia mágicas pela casa, distribua chocolates e carinhos para os filhos. Relembrava a época do estilingue, da bolinha de gude, das pescarias e da caça aos preás e às pacas... os momentos de contemplação da natureza.
Dorival foi um colecionador de sutilezas. Cada detalhe da sua existência diz tanto sobre ele! A autenticidade foi sua marca, lembrada com orgulho pela família. Assim, passou por diversos trabalhos, mas um deles, além de experiência profissional, levou Dodô a conhecer seu grande amor. Num baile da empresa Singer, em Indaiatuba, conheceu Maria de Lourdes, a Lude. Dá pra imaginar Dodô, frequentador de bailes desde a adolescência, gastando a sola do sapato no seu gingado para conquistar Lude. Deu certo e é claro que daria: Dodô rodava todos os salões, bastava uma música, em especial, boleros, valsas e tangos. Além de companheira de vida, ganhou uma de pista: com Lude, conquistou vários prêmios de dança. Dodô, hoje, está em cada som que já foi trilha sonora de suas danças. Rita elenca:
- Nelson Gonçalves era o favorito de Dodô, destaque para “Tudo é Nostalgia” e “Amarga Confissão”;
- Das valsas, todas. “Aurora do Mundo”, “Noite de Lua”, “Saudade de Iguape”, “Ave Maria”, “Saudades de Ouro Preto”;
- Dos boleros, os cantores Gregorio Barrios e Elvira Ríos;
- “Manhãs de Setembro”, por Vanusa, “Índia”, por Perla, “Alma Gêmea”, por Fábio Júnior, La Paloma, por Nana Mouskouri;
- “Carinhoso”, por João de Barro e Pixinguinha. Mas essa, em especial, em qualquer voz. Bastava que estivesse tocando para trazer paz.
“Quando a família se reunia em casa, as primas e as tias faziam fila pra dançar com ele. Esses momentos eram muito felizes. Isso marcou muito nossa vida”, lembra-se Rita, que também adorava cantar com o pai.
Além da dança, outro capítulo importante da história de Dodô foi a natureza. Amava os animais. Foi feliz junto ao Bolinha e depois chegou o Klint, cãezinhos amados por todos. “Meu pai os tratava como se fossem filhos. No calor, dava vários banhos. No frio, cobria com cobertor e deixava a casa quentinha”. Rita também destaca a paixão do pai pelos pássaros, “Ele assobiava para atrair os pássaros e ria, divertindo-se”.
Autêntico e verdadeiro, Dodô não hesitava em dizer a quem por ele passava: “Desejo felicidades! Felicidades pra você e sua família!” Desejo sincero, feliz, positivo. Era o Dodô, afinal. Até os 83, foi um menino brincalhão.
Do último encontro que teve com o pai, Rita fica com a lembrança do abraço apertado e do último dueto entre eles: “Carinhoso”, claro.
Dorival nasceu em Severínia (SP) e faleceu em Campinas (SP), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Dorival, Rita de Cássia Sanchez. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Carolina Margiotte Grohmann, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 17 de junho de 2021.