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Dulce Araújo de Martino

1929 - 2020

Considerada uma avó clássica, amava mimar seus netos com guloseimas, presentes e muito carinho.

Esta é uma carta de Guilherme para sua avó, Dulce:

Dulce teve um estilo de vida um tanto quanto solitário, mesmo possuindo várias irmãs. Sua mentalidade passou a mudar quando se tornou avó. A partir daí, Dulce passou a se aproximar mais da família, chegando a admitir que se arrependia do tempo perdido com suas irmãs.

Entretanto, ao criar laços familiares mais fortes, Dulce se identificou fortemente comigo, seu neto, Guilherme. Dulce descobriu uma grande felicidade em sua vida ao se tornar avó. Tia-avó, na verdade. Mas sempre avó, em nossos corações. Nós dois juntos éramos como um reencontro de almas, nunca escondemos como amamos um ao outro.

Essa nova etapa fez de Dulce uma pessoa muito "gastadora", tornando os canais de tele-compra sua programação favorita. Dulce não podia ver algo no canal que rapidamente se lembrava de algum familiar, logo comprando o mimo desejado. Sorveteiras, roupões, jogos de cama, brinquedos... Dulce passou a presentear os familiares com muita vontade de agradá-los, e assim fazia com frequência.

Talvez essa fosse sua forma de se fazer presente na criação dos netos, uma vez que moramos um pouco longe de nossa avó. Mas a distância nunca nos impediu. Ligações telefônicas eram um pré-requisito da relação, e sempre aconteciam de forma muito carinhosa. Mesmo pequeno, nunca me esqueço de nossas despedidas por telefone. Dulce me enviava "muitos beijos cor-de-rosa" e eu sempre respondia com ainda mais beijos de outra cor, fossem vermelhos, azuis... Era sempre um desafio pensar em novas cores para retribuir seus beijos, e ríamos juntos com as invenções e misturas criadas para as respostas. O tempo passou, e mesmo com as brincadeiras infantis sendo deixadas de lado, o carinho nunca mudou, a distância nunca nos fez perder o amor um pelo outro. Sempre me senti ansioso para visitá-la, e assim fazia sempre que podia. Dulce se preparava para receber os netos, logo providenciando pizzas, bolos, refrigerantes e todo aquele mimo gostoso de vó.

Nunca me esquecerei da minha última conversa com ela. Em uma ligação, vovó Dulce pediu, encarecidamente, para falar comigo. Quando juntos na linha, minha avó afirmou que me amava muito, e que eu fui o filho que ela nunca teve. Com muita emoção, conversamos, reafirmamos toda essa trajetória de carinho entre avó e neto. Nossa despedida foi linda, emocionante e inesquecível, fazendo honra ao amor que construímos desde que nasci.

Minha avó, aonde quer que esteja, saiba que te amo. Muito. Sou seu neto, seu filho, seu admirador e jamais me esquecerei de tudo de bom que vivemos, do quão importantes foram nossos momentos, das visitas aos telefonemas. Nesta despedida, permita-me roubar seu "bordão" que tanto me fez gargalhar e te amar quando pequeno... Vó Dulce, milhões de beijos cor-de-rosa para você. Com todo meu amor, desejo que os receba em alegria junto às suas irmãs e demais "vovós", podendo, finalmente, estar juntas, compensar o tempo que você se arrependia de ter perdido com elas. Estejam muito felizes juntas, em família. Sempre te amarei, vovó. Fique com Deus.

Dulce nasceu em Niterói (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 91 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo neto de Dulce, Guilherme Doutel de Andrade Bártholo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 12 de setembro de 2020.