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Edina Barbaresco Angarola

1951 - 2020

Com esmero e habilidade, pespontava os cortes de couro na máquina de costura, dando-lhes forma e acabamento.

Edina aprendeu cedo a conduzir a própria vida. Deu passos largos. De pouco convívio com o pai e criada apenas pela mãe, nem bem completou os 14 anos já conseguiu seu primeiro emprego em uma indústria de calçados, no bairro paulistano do Tatuapé. Suas mãos caprichosas pespontaram sapatos que andaram por aí, por uma vida inteira. Também ali alinhavou sua história com Ottone e, aos 19, casou-se com o colega de ofício.

Quando vieram as filhas, Fernanda e Andressa, a responsabilidade aumentou e ela passou a cumprir o horário de trabalho na máquina instalada na casa de dois cômodos. Dormiam todos juntos no quarto e, na cozinha, ela costurava com agilidade as dezenas de peças de couro que lhe eram entregues pela fábrica; fazia os acabamentos manualmente e até contava com a ajuda das crianças, que se distraíam e se envolviam cortando os pedaços de linha para os arremates. Com um olho na agulha da máquina e outro no fogão, Edina ainda ensinou as meninas a cozinhar enquanto trabalhava: "ela dava as orientações e a gente, com a panela ali ao lado, preparava a comida", relembra Andressa.

Edina pouco frequentou a escola na infância, mas na maturidade até tentou aprender o tradicional “corte e costura”. Não foi adiante. Suas mãos estavam mesmo preparadas para converter as formas de couro em modelos variados de sapatos. A profissão possibilitou o sustento da família, já que o marido, depois de se tornar motorista de ônibus na antiga Companhia Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo, precisou afastar-se por questão de saúde. Seguiu no vaivém da sua máquina por longos anos até se aposentar.

A família sempre foi sua razão de viver. Era muito apegada aos netos Matheus e Anttony, a quem dedicava amor e carinhos especiais de avó, como os pernoites em sua casa e as guloseimas às escondidas. Da mãe também cuidou até a velhice, já afetada pelo Alzheimer.

Mulher de sorriso largo e feliz, era o alicerce de todos ao redor. “Minha mãe nunca chorava na nossa frente, por maior que fosse qualquer sofrimento seu”, fala Andressa, emocionada. Nem deixava as filhas manejarem seu fogão, de onde saíam muitas gostosuras, especialmente nos aniversários, quando preparava a receita preferida de cada um. "Eu escolhia o pimentão recheado e frito e de sobremesa o bolo gelado", conta, "era uma delícia!"

Mantinha a família, como diz a expressão popular, "debaixo das suas asas". Fernanda recebeu o colo de Edina ao ficar viúva, voltando a morar com o filho na casa dos pais. Andressa, por sua vez, contou com o apoio da mãe para realizar o sonho do diploma universitário, que conquistou já adulta, embora sem a presença alegre dela para comemorar.

Católica fervorosa, Edina participava de ações comunitárias da Pastoral da Criança, onde fez muitos amigos. Era muito generosa. "Minha mãe não costumava bater papo no portão, mas se alguma vizinha precisasse da sua ajuda, lá estava ela, para quem quer que fosse."

Edina nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Edina, Andressa Angarola Pimenta. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 29 de junho de 2021.