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Edith Farias de Araújo

1921 - 2020

Mulher de fibra que enfrentou opiniões adversas pra chegar a sua realização e felicidade, sendo amor e doçura.

Uma mulher corajosa e à frente do seu tempo. Aos 16 anos, perdeu a mãe, mas isso acabou deixando-a, apesar da dor, mais forte para a vida. Criou seus irmãos e cuidou com amor do pai deficiente visual.

Vivenciou a ditadura, a Segunda Guerra Mundial, assistiu à partida dos soldados brasileiros para a guerra no Porto de Aracaju e cantava todo o hino nacional.

Casou-se aos 30 anos, tarde para os padrões da época. Com Valdemar, teve nove filhos: Valdemir, Valdir, Valmir, Valter, Edenilde, Edineusa, Edinete, Elidene e Maria Antônia. A família, sua paixão, cresceu, lhe dando mais amores: 25 netos, 15 bisnetos e um tataraneto.

A neta Karoline conta que sua avó sempre quis ser independente e não admitia a submissão ao marido. Por isso, estudou, tornou-se professora e prestou concurso público. Um exemplo de determinação essa dona Edith, que seguiu mostrando ter nascido realmente com uma cabeça de décadas à frente.

Não se importando com a opinião alheia, ao perceber que seu casamento não fazia mais sentido, divorciou-se em 1979 e não teve mais nenhum relacionamento. Karoline lembra: "Minha avó viveu até os últimos dias lúcida, cuidando dos filhos, netos e até dos bisnetos. Ela foi pura abnegação e humildade com toda a família. Tudo que tinha e ganhava era partilhado igualmente entre os filhos."

Em sua profissão, vivia uma relação de amor e generosidade. Era tão querida que, até o fim de sua vida, ex-alunos a procuravam para partilhar histórias do tempo de escola.

"Minha avó adorava adivinhações. Das aulas de Geografia, se inspirava em uma que não esqueço: 'Qual é o país que o nome é um animal e a capital é uma fruta?' A resposta é Peru e Lima. Ela sorria bastante quando alguém não acertava", narra Karoline.

Edith passou por alguns sufocos em tempos difíceis, sendo ela a mulher de fibra e coragem que era. Contava muito à família uma história em que foi perseguida pela Administração Pública. Mas, sem medo de enfrentar ameaças, ainda que fossem do prefeito e do governador, enviou uma carta ao então presidente Juscelino Kubitschek. Não só a carta chegou às mãos dele, como ela recebeu uma resposta de apoio e a questão foi resolvida, com o fim da perseguição.

"Seu sonho era que todos os netos estivessem formados e encaminhados na vida. Valorizava muito o estudo, ensinando que era o maior bem que poderia nos deixar", conta a neta.

Dona Edith sempre foi muito disciplinada e organizada. Desde as malas de viagem, que já ficavam prontas com uma semana de antecedência, até seu próprio funeral, em que deixou tudo pago.

Essa avó guerreira, era também uma mãe, avó, bisa e tataravó doce e de puro amor. Fazia balas de mel e pé de moleque para os netos e filhos e dividia em partes iguais para todos. Aos finais de semana, quando a família ia visitá-la, tinha prazer em cozinhar favas e carne de panela.

A neta Claryanne a chamava carinhosamente de "Popozão". Ela gostava, sorria com carinho e chamava de volta a neta de "Popozinho".

Seus prazeres eram: fazer palavras cruzadas, ler, rezar o terço e fazer crochê. Fez uma peça de crochê para cada filho e cada neta. Uma lembrança de valor inestimável.

Karoline relembra das comidinhas feitas por eles e que a avó adorava: brigadeiro, maniçoba, bolo de fubá, panettone, bolo de banana e queijadinha. Uma pessoa doce que amava doces...

E a neta completa: "Todo mês ela ficava uns dias na minha casa e nós fazíamos as compras mensais. Aproveitava pra levá-la pra passear e ir à missa. Não esqueço que ela era apaixonada pela época do Natal, especialmente pelas luzes natalinas e as guloseimas da época."

Dona Edith fez questão de dar a primeira carteira de identidade a todos os netos. Mensalmente, ao receber seu salário, dava aos netos uma mesada, mesmo sendo um valor simbólico, fazia questão. Sua memória era perfeita e sabia a data de aniversário de todos. Com o maior amor, em todas essas datas, ela ligava cedinho para cada aniversariante, para já acordá-lo com seus parabéns e seu carinho.

Só conheceu o mar aos 70 anos... E aos 99 deixa sua família com imensa saudade, para conhecer os Céus.



Nascida em uma região agrícola e como filha mais velha de um clã de oito irmãos, isso por si só já trazia uma responsabilidade imensa. Ao perder a mãe aos 16 anos, que faleceu no parto do caçula, Edith assumiu a criação e cuidado, não só dos irmãos, mas também do pai.

A neta Roberta conta que, "desde cedo a avó percebeu que tinha o dom de ensinar. As obrigações domésticas eram muitas, mas não a desanimaram e, com garra e esforço, debruçou-se nos estudos com esforço".

Tornou-se então professora de escola agrícola multisseriada. Sempre preocupada em ensinar e transmitir seu conhecimento, caminhava quilômetros para dar aulas a quatro séries ao mesmo tempo.

Em sua época, era costume as mulheres casarem jovens. Mas pelas palavras da neta: "Por ter assumido o papel de mãe dos irmãos e pela dedicação à profissão, foi no caminho contrário. Acabou casando mais tarde e, o escolhido foi um de seus alunos da escola de adultos.

Vovó Edith formou uma família grande, como nove filhos, 25 netos, 15 bisnetos e um tataraneto. E sempre assumiu com gosto a função de matriarca dessa família, amando ter todos por perto.

Muito generosa e atenciosa, não esquecia nenhum aniversário da família extremamente numerosa. Fazia questão de dar os presentes com antecedência de quase um mês e, no dia, a primeira ligação era a dela.

Do mesmo modo, em casa, recebia com gosto e prazer... ninguém saía de mãos vazias: aos pequenos, uma bala; aos jovens, um biscoito; aos adultos, um cafezinho e para todos, sempre uma sacola pesada de amor e carinho.

Roberta relata com saudade que, quando a pandemia chegou, sua avó já não ouvia e nem via muito bem. Mas o sentimento, esse sim, ainda pulsava e muito. E logo ela sentiu a ausência das visitas. "Tentamos explicar o que estava acontecendo e ela pediu para que continuássemos a visitá-la. Em proporções menores e com muitos cuidados, mantivemos as idas a sua casa, para seguir com seu coração batendo e sua vida lhe sorrindo. Mas o vírus chegou sem pedir licença, invadindo espaços como um intruso."

Quase um século de vida interrompida, mas essa professora que estava sempre aprendendo, apesar da partida, deixa um grande registro. "Mesmo sem sua presença física, ela continua entre nós. É através de seus ensinamentos e lembranças diárias que cada um da família traz consigo o registro de tanto amor", despede-se a neta.

Edith nasceu em Lagarto (SE) e faleceu em Aracaju (SE), aos 99 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas netas de Edith, Karoline Almeida Guimarães e Roberta Conceição Almeida Nascimento. Este tributo foi apurado por Denise Pereira e Andressa Vieira, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 25 de novembro de 2020.