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Edjane Santos Julião

1979 - 2020

“Amava cuidar, viajar, tomar uma cervejinha e era viciada em coca-cola”

Era com empatia, dedicação e amor, que essa técnica de enfermagem atendia todos os pacientes que chegavam até as suas mãos acolhedoras. Sem distinção. Todos humanos e carentes de cuidados. Como deve ser. Era com o seu jaleco branco que Edjane caminhava para lá e para cá - em qualquer hospital que estivesse - com uma única determinação: ajudar. Vibrava ao ver os pacientes recuperados e se entristecia com aqueles que partiam.

Há alguns anos, Edjane diminuiu o seu ritmo de trabalho. E trabalhar em dois hospitais e em uma clínica – como já fizera – ficou apenas nas lembranças, cheias de afetos, que guardava de cada paciente.

Apesar da paixão de cuidar do outro, o trabalho lhe dava alguns privilégios, como o de viajar. Ela amava viajar. O seu lugar preferido era... estar com a família. Os resorts que tanto gostava, ir só fazia sentido com a filha, irmão, sobrinhas, primos e primas. Essa era a sua “gandaia” preferida. Uma vez chegaram até a alugar um micro-ônibus para irem colados do começo ao fim da viagem.

Edjane foi casada, mas se separou quando chegou a hora. Esse relacionamento deu a ela o que costumava chamar de “maior presente da minha vida”: Ellen Eduarda, sua filha de 21 anos. Dizia para todo mundo que Ellen era o seu bebê. E se questionassem “bebê desse tamanho, Edjane?”, ela logo rebatia: “É meu bebê grandão”.

“Eu sou sua melhor amiga, mas antes de ser sua amiga, eu sou sua mãe”, era desse jeito que Edjane equilibrava a relação materna e de amizade com o seu bebê. Ellen não escondia nada porque ela já percebia e logo perguntava: “O que foi? O que é que tá acontecendo? Me conte logo!”.

Edjane conversava sobre tudo com a filha. Deitava na cama após um longo dia de trabalho e logo Ellen chegava para conversar. Eram altos papos. Sobre a rotina, namoro, amizades. Sobre a vida. Quando estava muito cansada pedia para Ellen deixá-la cochilar um pouco, “porque se deixar... não para de conversar”, comenta a filha. “Quero ver quando você começar a dar plantão, quando você chegar vou ficar toda hora abrindo e fechando a porta do quarto”, dizia Edjane.

Mas, quando percebia que seu “bebezão” estava triste, eliminava todo o cansaço físico e mental, de um dia cheio de trabalho, e confortava a sua filha, que deitava em seu colo e recebia carinho nos cabelos seguido de um abraço acolhedor. Edjane ensinou a sua filha que o diálogo era a coisa mais importante.

Ellen não fazia nada sem pedir a opinião da mãe. Faziam tudo juntas. Comprar roupa, passear, assistir... “Tinha gente que perguntava se éramos irmãs”, conta a filha.

Edjane gostava de ir pra show, gostava de todo tipo de música: Legião Urbana, Harmonia do Samba, Unha Pintada, Aviões do Forró. Gostava de festejar e de tomar a cervejinha dela, mas era viciada mesmo em coca-cola. Tomava coca com tudo. Se chegasse do plantão e não tivesse coca… virava um bicho, e saía para comprar. Fosse a hora que fosse. “Era a pinga dela”, dizia o pai.

Catorze dias. Esse foi o maior tempo que Ellen e Edjane ficaram sem se falar. Hoje, Ellen usa a corrente e o anel de formatura da mãe, e continua abrindo a porta do quarto da mãe como fazia nas madrugadas para manter o ritual que as uniam, mesmo estando em estágios diferentes da vida.

Tenha certeza, Ellen, que no dia da sua formatura Edjane vai subir no palco e dançar a música “vem neném” como vocês planejaram.

Edjane nasceu Aracaju (SE) e faleceu Aracaju (SE), aos 41 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Edjane, Ellen Eduarda. Este texto foi apurado e escrito por jornalista João Vitor Moura, revisado por Sandra Maia e moderado por Rayane Urani em 1 de dezembro de 2020.