1957 - 2020
Antes mesmo de ser o alicerce do lar que construiu, já zelava pelos pais e irmãos.
Natural de Piracaia, Edson viveu um período por lá até a família se mudar para Jundiaí, onde na feira da cidade e na antiga fábrica da Cica, ele e mais dois irmãos iam pegar restos de legumes para a mãe cozinhar. Era um tempo de muita dificuldade esse, de modo que Edson costumava comer banana com casca para dar mais sustento.
Em casa, foi um menino muito ligado aos pais e grudado no avô, a quem pedia que quando morresse viesse em sonho contar para ele sobre o céu. Mas o avô nunca apareceu.
A necessidade de ter uma renda extra para a família levou o adolescente de 14 anos ao primeiro emprego em uma padaria. A partir de então, nunca mais parou de trabalhar. Também foi pedreiro, motorista, inspetor de tráfego e caminhoneiro. Ter as contas pagas o fazia feliz.
A experiência com a panificação despertou no jovem aprendiz a paixão pela culinária e fez dele um cozinheiro de mão cheia, cujo talento se tornou um hobby na fase adulta. No cardápio de especialidades estavam incluídos uma grande variedade de pães, além de bolos, pizzas, salgadinhos e até comida nordestina.
Motivado pela companhia da esposa e das duas filhas, Edson sempre assumia o fogão aos domingos. "Quando estava estressado, feliz ou queria reunir a família, logo ia para a cozinha. Ele inventava pão de todos os jeitos - doce, salgado e recheado: de frango, calabresa, com torresmo. Eu amava", diz a filha Carina Thaís, relembrando a mesa farta e o tempero da comida do pai.
Nesses encontros, entre outros assuntos, inclusive fofocas, a culinária ocupava parte da conversa, e ainda as histórias da infância do patriarca, do seu trabalho na rodovia e das experiências como motorista e, claro, da amizade dele com o avô.
Depois que suas meninas se casaram, a forma que Edson encontrou de mantê-las por perto foi preparando receitas novas. "Uma grande desculpa para nos ver no meio da semana", admite Carina Thaís, que não passava um dia sem falar com o pai.
Mas as preferências do mestre cuca ultrapassavam a cozinha. Ele amava dirigir e estar em movimento, de tal maneira que a estrada e o sustento doméstico estiveram relacionados por muito tempo. Só como inspetor de tráfego foram 20 anos de profissão.
Nas horas vagas, Edson dedicava cuidados à mãe e visitava supermercados, para depois narrar os preços, segundo a filha. “Se deixássemos, ele ia todos os dias e voltava com as sacolas cheias”, ela diz.
O apreço pela fartura era um dos aspectos que compunham a personalidade dele, talvez pela infância precária. Uma coisa é certa, no entanto, as dificuldades do passado fizeram de Edson uma pessoa que ajudava o próximo a ponto de tirar de si, se fosse necessário.
Apesar de fazer o tipo durão, num primeiro momento, bastavam cinco minutos para estar todo derretido. Carina Thaís o descreve como uma pessoa de sorriso fácil, carinhosa, bondosa, persistente, otimista e que primava pela simplicidade. De inspiração, ela menciona a garra, a fé e a vontade de vencer com dignidade como legado do progenitor.
No papel de pai, Edson manteve uma relação muito próxima com as filhas, de amizade verdadeira. Participou de cada etapa da vida delas: estudos, planos, carreira, casamento e, evidentemente, mimou sua duplinha feminina. Como quando ficava na rede com elas pela manhã, após chegar da jornada noturna do trabalho, para apaziguar a disputa das duas irmãs por uma soneca ao lado dele. Essa é uma das lembranças mais marcantes da infância de Carina Thaís, além de ajudá-lo a lavar o caminhão azul, o qual apelidaram de Azulão.
“Sinto que aproveitei meu pai em todos os sentidos. Ele foi muito companheiro, fiel. Se as pessoas tivessem um terço do que eu tive, todas seriam felizes”, ela acredita, e confessa que quando visita a casa da mãe abre o guarda-roupas para sentir “o cheiro doce do perfume de uma vida de boas memórias”.
A história de amor entre Edson e a esposa começou em Jundiaí. Eles eram vizinhos e se conheceram na rua em que moravam, logo que a moça chegou com a família de outro interior de São Paulo - Vera Cruz. Foi amor à primeira vista. Casaram-se após três anos de namoro e passaram trinta e oito anos juntos, comprometidos, praticamente grudados, numa parceria em que nenhum fazia nada sem o outro.
“Minha mãe foi o amor da vida do meu pai. Ele se declarava para ela a todo instante, e dizia que nós éramos tudo para ele”, relata a filha.
Grávida de um menino, ela confia que Edson virou um anjo valente que zela pelos seus três amores aqui na Terra e que, de lá do céu, deu um jeitinho de presenteá-las aqui embaixo com o neto que sempre quis.
"Tenho certeza que foi ele quem pediu para Deus mandar o Otavio para acalentar nossos corações", finaliza Carina Thaís, saudosa do abraço de urso do pai.
Edson nasceu em Piracaia (SP) e faleceu em Jundiaí (SP), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Edson, Carina Taís Gonçalves Melicio. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Mühl, editado por Mariana Quartucci, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 31 de agosto de 2021.