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Eduardo Campero Garcia

1957 - 2020

Uniu dom, ciência e muita alegria para trazer vidas ao mundo.

Um homem bom, generoso, profissional exemplar, o melhor pai do mundo. Assim é lembrado Eduardo Campero, o boliviano mais brasileiro que as terras potiguares já conheceram.

O jovem Eduardo partiu de Oruro, na Bolívia, incentivado por seu pai Isaac e acompanhado por outros dois irmãos, com o intuito de dar continuidade a sua formação em Medicina. Naquela época, a Bolívia vivia um cenário político e econômico muito conturbado, que afetou a funcionamento das instituições, provocando inclusive o fechamento das universidades públicas. Dali em diante, por quatro décadas o Brasil seria a morada de Eduardo.

Chegando ao Brasil, após uma breve passagem por São Paulo, acatou recomendações e seguiu viagem rumo a Natal, indicado como um lugar mais agradável para se viver. A viagem de ônibus foi super longa (esse detalhe não havia sido informado aos jovens recém-chegados!), mas compensadora. Em Natal os irmãos se instalaram e enfrentaram inúmeras dificuldades. Recebiam apoio financeiro enviado pelos pais e contaram com a ajuda de primos que já estavam instalados na cidade, além da colaboração de vizinhos e dos amigos, para superar os perrengues do dia a dia.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Eduardo deu sequência aos estudos, graduou-se em Medicina e tornou-se cirurgião obstetra. Em Ceará Mirim (RN) iniciou e consolidou sua carreira de médico. Como plantonista, devido aos excelentes serviços prestados, conquistou o carinho dos pacientes. Era atencioso, cuidadoso, sempre assertivo nas suas orientações médicas e muito brincalhão com os pacientes. Não havia quem não gostasse dos seus atendimentos!

Eduardo tinha tanta energia e tanta disciplina na gestão do tempo que conseguia atender também em sua clínica particular. Sempre solidário e muito atencioso com os pacientes, fazia de tudo para atender quem precisasse de ajuda, com o mesmo padrão de qualidade, sem distinções, destaca sua filha Nayara.

“Quando ele e minha mãe (que também atua na área da saúde) conversavam sobre os atendimentos, principalmente com os pacientes mais carentes, era incrível ver que os muitos anos de carreira, não lhes tiraram o brilho nos olhos, a garra e a disposição que possuem os recém-formados”, relata Nathália Campero, a filha mais nova, e jornalista da família, de quem tanto Eduardo se orgulhava em mostrar pelo celular as matérias por ela assinadas.

Amigo da população e consciente de que poderia contribuir ainda mais para o território que tão bem o acolhera, Eduardo por um período conciliou a atuação na Medicina com a vida pública: foi vereador na Câmara Municipal de Ceará Mirim de 2005 a 2008.

Casou-se duas vezes. Foi um super pai para Eduardo Júnior, Nayara, Nayana e Nathália. Trouxe-lhes ao mundo (isso mesmo, pois fez o parto de todos os filhos) e os educou para a vida pelo exemplo. Não à toa, o grande amor pelo seu ofício inspirou três dos quatro filhos a se formarem na mesma área.

Sua filha Nayana se formou em Medicina em 2020 e teve a honra que dar os primeiros passos profissionais ao lado daquele que mais a incentivou. “Compartilhamos meus primeiros plantões. Dividimos pacientes, e ele teve a chance de me ver pagar minhas primeiras contas. Com ele aprendi que devemos fazer tudo pelos outros, sempre com muito carinho.”

No seio familiar, ou entre os amigos mais próximos, o corintiano Eddy, como era carinhosamente chamado, era fã das artes circenses e amava preparar um apetitoso churrasco de picanha e o famoso pernil nas festas de fim de ano. Nos parcos momentos de folga, acompanhava as novelas das 21h. Aos domingos sempre assistia ao Domingão do Faustão e ao Fantástico. Quando arranjava tempo, ia à praia da Ponta Negra, em Natal, para saborear o caldinho de camarão.

“Na minha mudança para São Paulo, meu pai pegou a chave do meu primeiro apartamento comigo, organizou tudo para mim, fez a primeira feira (que durou três meses!), comprou lençóis de frio e café. Escolheu comigo coisas que toda casa tem que ter. Me deu um girassol para iluminar os primeiros dias no apartamento novo”, diz Nathália, ao lembrar um exemplo de como o seu pai era cuidadoso com os todos os filhos.

As músicas bolivianas, principalmente as do grupo Los Kjarkas, traziam-lhes boas lembranças da terra natal. Mas quando a saudade apertava mesmo era na Feira da Kantuta (um pedacinho da Bolívia em São Paulo, lugar que também conhecia muito bem, pois ali fez sua residência médica) que reencontrava as cores, os aromas e os sabores andinos, a sua gente, as suas raízes.

Eddy apreciava muito a companhia dos filhos, netos e amigos. Seu coração era uma “casa de portas abertas”, assim como o amigo retratado na canção imortalizada por Roberto e Erasmo Carlos, de que tanta ele gostava e que tão bem lhe representava.

Generoso e amigo de todos, Eddy, ou Dr. Eduardo Campero, foi um homem destemido, alegre, altruísta, que trouxe muitas vidas a este mundo.

Eduardo nasceu em Oruro, Bolívia e faleceu em Natal (RN), aos 64 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas filhas Nayara, Nathália e Nayana Campero de Eduardo, Nayara Campero. Este texto foi apurado e escrito por Fabrício Nascimento da Cruz, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 27 de julho de 2021.