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Elis Jade do Nascimento

1991 - 2020

Seus belíssimos cabelos longos e sorriso anunciavam a chegada de uma doce menina, que não via maldade em ninguém.

"Achei um três por quatro e não quis acreditar que tinha sido a tanto tempo atrás..." Bárbara, prima de Elis Jade, é quem nos traz a linda história dessa mulher, desde a infância até a precoce partida.

As primas, filhas de dois irmãos, foram criadas juntas, na década de 1990, em um bairro da periferia de Teresina, Piauí. Os pais de Elis Jade se separaram e seu pai mudou-se de estado. Por certas dificuldades de sua mãe, Jade morou com diversos familiares e, por um tempo, foi justamente a família de Bárbara que teve a oportunidade de tentar cuidar da menina.

“Meus pais, dois trabalhadores, já tinham três crianças em uma casa carente de bens materiais, mas repleta de amor, acolhimento, limites e referências. No entanto, Jade não se demorou muito conosco e foi morar com a mãe, mas sob a responsabilidade mesmo da avó materna.”

Apesar de todas as dificuldades, as crianças seguiram crescendo pertinho uma da outra. Brincavam e aprendiam sobre o mundo e sonhavam juntas. No início da adolescência, Jade mudou para outro bairro. Mas isso não afastou as jovens, que continuaram em contato, descobrindo a vida e o mundo, acabando por virar um trio. A prima Bruna, seis anos mais velha, juntou-se às duas. Bárbara lembra: “Ela nos ajudou a seguir e nos ensinou muitas coisas. Nos levava para passear e viajar. Nas férias, fugíamos para banhos de rio numa cidadezinha de sua avó materna. Uma ‘felicidade clandestina’, como diria Clarice Lispector.”

As personalidades do trio eram bem diferentes. Bruna, talvez por ser mais velha — Bárbara analisa — era serena, paciente e cuidadosa. “Eu, a do meio, efusiva e curiosa”. Já a Jade, era considerada sorridente e de um coração de ouro, até fácil de ser enrolada. Com todas as dificuldades e confusões da adolescência, conseguiram atravessar juntas esse período.

Vieram outras cumplicidades: “Tomamos os primeiros porres juntas, fugíamos juntas para as festas... acabávamos por tentar nos proteger. Bruna entrou primeiro pra faculdade; depois foi a minha vez, em seguida a Jade. Mas ela tinha dúvidas entre Enfermagem, Direito ou não fazer faculdade. E, ainda com caminhos distintos, nosso trio não se desfez, curtindo a fase da liberdade, que foi incrível, com forrós, cinemas e muitas risadas juntas.”

A prima sentia em Jade marcas de sua vivência na infância, deixando uma certa carência de afeto, que elas tentavam suprir, com muito carinho.

Em 2010, Jade conheceu um rapaz e sua primeira paixão. Dois anos depois nascia sua filha Júlia. Bruna também teve a filha Isadora na mesma época e Bárbara adorou ter duas lindas “sobrinhas”. Porém, Jade ficou sozinha com a filha de meses e teve que morar de favor com familiares, o que a levou, em 2015, para Goiânia, à casa do pai. Esses caminhos levaram o trio a se afastar por uns dois anos, quando Jade voltou a morar com a mãe.

“Reencontrei minha prima quando ela se organizava para casar e todo o sentimento, carinho e respeito estavam ali, vivos. Jade era linda, tinha belíssimos cabelos longos e um sorriso cativante. Atraía todos os olhares para si e tinha um coração puro de verdade, aquele que não vê maldade em ninguém, não guarda rancor e perdoa até o imperdoável. Ela amava a Júlia, sua filha, gostava de Big Mac e batata frita, de comédias românticas bobinhas e se envolvia com muita facilidade com as pessoas.”

Jade partiu vinte e seis dias antes do seu aniversário, com um bebê em seu ventre. Era uma verdadeira leonina. Brava, de coração valente, sensível, com a alma pura e tinha o cabelo mais lindo e brilhante do mundo, como raios de sol!

Elis nasceu em Teresina (PI) e faleceu em Teresina (PI), aos 28 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela prima de Elis, Bárbara Bruma Rocha do Nascimento. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Denise Pereira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 18 de janeiro de 2023.