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Elisa Inês da Silva

1947 - 2020

Na escola em que trabalhava, o cheirinho de sua comida acolhedora guiava as crianças para um delicioso abraço.

O depoimento a seguir foi enviado por ex-alunos de Elisa Inês e ex-diretora da escola Marechal Mallet, onde ela trabalhou.

"Quem estudou ou trabalhou no colégio Marechal Mallet, em Campinas, indubitavelmente tem Elisa na lembrança. E como esquecer o sorriso sincero e a risada gostosa de Tia Isa, cozinheira-chefe por mais de dez anos da escola? Simpatia e bom humor que Angelina Teresa, sua filha, também herdou e expressou quando estudou por lá.

Inseparáveis! Mulheres negras; minorias no colégio, mas maiorais nos corações de cada um que conviveu com elas e hoje faz questão de deixar seu relato de admiração escrito por muitas mãos.

Mãos que há 30 anos, quando estavam no primário e ginásio, receberam de Tia Isa aquele prato quentinho com o melhor macarrão do mundo na hora do almoço. Aprendemos com ela o que era loro, ingrediente simples e especial para a sopa de feijão que hoje fazemos para nossas famílias. Algumas pessoas são especiais também, justamente por serem simples. Isa era assim.

Mesmo depois de tanto tempo longe do Mallet, encontrar com Tia Isa no mercado ou até mesmo na escola, durante as eleições, era motivo de festa. Que cabeça tinha aquela mulher! Se lembrava de todos com euforia e ainda perguntava dos outros alunos, com uma memória e carinho invejáveis.

Quem entrava mais cedo na escola recebia de Tia Isa um café da manhã com pão e bolacha, aromas que ainda sentimos. E as bolachas extras que ela escondia para nos dar? Isso realmente animava o dia e nos fazia sentir queridos e especiais. Éramos crianças assustadas tentando nos encaixar naquele novo mundo fora de casa; muitas se viam, pela primeira vez, sozinhas e longe dos pais. Mas Tia Isa, que não era tia biológica de nenhum de nós, nos acolhia como tia do coração. Na sua cozinha nos acalmava com guloseimas e afagos.

Conquistou a todos não só pelo seu tempero ou cheirinho da comida, que fazia com que os alunos almejassem com alegria o intervalo. Nos lembramos dos estudantes descendo a escada para o lanche e ela sorridente na porta, de braços abertos nos esperando para um abraço delicioso.

Ela conquistou a todos com a poesia do viver, declamada a cada ato de ensinar o quanto era importante amar, se doar, dar o seu melhor para todos, sem nenhuma distinção. Seu riso entoa na memória de todos, junto à melodia do carinho e do respeito.

Quando olhávamos para aquela mulher, com seu inseparável turbante na cabeça, só enxergávamos alegria. Brincalhona, amável, alto astral... um ser de tanta luz que os adjetivos são inumeráveis. Era querida até pelos meninos que ela pegava pelo cós das calças ou pelos colarinhos das camisetas, tentando pular o portão da escola para matar aula. ‘Voltem para a classe’, dizia ela com uma nobreza... A respeitávamos. Ela sabia nos acolher quando aprontávamos e iríamos levar bronca da direção.

Elos indissolúveis que permaneceram por décadas. Quem aqui nunca fez questão de abraçá-la mesmo depois de já entrar na vida adulta e ainda por cima chamá-la de tia? Tia Isa... Seu corpo apresentava as cicatrizes de uma vida sofrida na alma e no corpo, mas nem por isso demonstrava tristeza. Era a pessoa mais feliz e lutadora que conhecíamos, além de uma autoestima elevada e um carisma singular.

No grupo que temos de ex-alunos no WhatsApp até a ex-diretora do Marechal Mallet faz parte. Nele, Eny Martins Quércia lembra assim de Tia Isa: 'Eliza Inês da Silva, nossa Isa, a quem devo muita gratidão. Pessoa simpática, trabalhou comigo por dez anos e onde passava exalava simpatia, alegria... tinha compreensão com todos os alunos, era muito querida não só na escola, mas no bairro Chapadão também. Fazia de tudo no colégio. Entrava às 6h30 e já me esperava com uma xícara de chá para enfrentar o dia a dia. Ela marcou a minha vida e de todos os alunos. Que Deus a tenha em um bom lugar'.

'Tia Isa era um espetáculo de ser humano; um dos melhores que já conheci!', escreveu também Georgenes, dos irmãos Ballesteros. 'Era um anjo, não era só gente', se recorda Audrey Francisco.

Angelina, filha de Elisa, faleceu primeiro. Quando Tia Isa sentiu sua falta definitiva, cerca de seis dias depois, também teve de ir embora. Realmente deve ter sido a primeira vez que imaginamos Tia Isa profundamente triste. Pensamos que deve ter sido a primeira vez em anos que essa mulher chorou. Nós choramos suas partidas, mas sorrimos para sempre as suas saborosas lembranças."

A história da filha de Elisa também está guardada neste memorial, e você pode conhecê-la ao procurar por Angelina Teresa da Silva.

Elisa nasceu em Campinas (SP) e faleceu em Campinas (SP), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelos ex-alunos e pela ex-diretora da escola Marechal Mallet de Elisa, Audrey Fantini Francisco, Ana Paula Crepaldi, Adriana Gonçalvez Wolmer, Daniela Crepaldi, Andréa Rodrigues, Rosana Evangelista Poderoso, Georgenes Ballesteros e Eny Martins Quércia. Este tributo foi apurado por -, editado por Irion Martins, revisado por Didi Ribeiro e moderado por Rayane Urani em 29 de julho de 2020.