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Elisete Bicalho

1962 - 2020

Sabia ler os lábios, o olhar e alma das pessoas, sem que nada precisasse ser expressado.

Rackel carrega consigo o dom de escrever de forma poética e por meio dele já escreveu um livro e criou a página @ressignificando perdas, no Instagram. Assim também homenageou sua mãe com o texto seguinte:

Naquele dia eu sentia sua pele macia. Seu toque. Era o toque do amor.

Quem visse aquela mulher, a troca de olhares entre mãe e filha, saberia de imediato: ela tinha nascido para ser mãe. E não precisava chegar muito perto para entender que ela era a expressão do amor.

Seu sussurro, ainda no quarto, enquanto me embalava para que eu tivesse um sono tranquilo. Seu jeito de ler as pessoas. Sua maneira de interagir com o mundo.

Não tinha uma audição que a possibilitasse ouvir, mas lia lábios.

E lia almas.

Ao lado dela, não tinha quem não se desnudasse. Quem pudesse esconder o que quer que fosse.

Ela decodificava as mensagens que eu não tinha coragem de trazer. Ela era uma mulher que sabia ser. Simplesmente estar ao meu lado. Presente.

Ao lado dela eu sentia segurança. Era como uma nuvem de algodão com um chão firme por baixo onde eu pudesse pisar tranquila, sempre com a fantasia de que estava flutuando.

No dia que ela se foi eu não toquei sua pele. Nem seu rosto. Sua mão, tão quente, deveria estar fria o bastante para que eu não a reconhecesse. O chão, tão firme, se desfez debaixo dos meus pés.

Queria ter sido surda para não ouvir aquela notícia.

Ela tinha partido.

A pergunta era: o que fazer com aquela dor?

Um rasgo que não tinha remendo. Meu coração estava oco. Sem vida. Sem qualquer sinal de que pudesse voltar a bater da mesma forma.

Emudeci. Fechei os olhos. O mundo podia acabar. Meu mundo tinha, de fato, acabado. Sem cor, sem vida. Sem ela.

O toque, a voz, o cheiro. Tudo virou lembrança. E eu pensei em desistir.

Como seguir em frente sem ela?
Foi a pergunta que me motivou a escrever um livro e criar uma página no Instagram @ressignificandoperdas".

Elisete nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Elisete, Rackel Accetti. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 18 de dezembro de 2023.