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Elza Ramalhete

1957 - 2020

Floresceu por toda a vida com garra e fé, fazendo da sua existência um perfume de amor e sabor para todos.

Ramalhete era o sobrenome de Elza, uma mulher cuja existência perfumou a vida de todos com amor, fé e comidas deliciosas. A nora Maila Pardinho encontrou na sogra uma mãe, amiga e companheira, um exemplo de mulher guerreira que seguirá fazendo florescer a busca por uma vida melhor no coração de todos que a conheceram.

As duas foram apresentadas por Evandro, o segundo filho de Elza, assim que os dois começaram a namorar. “Eu e ele morávamos em Serra e ela em Cariacica, cidades do Espírito Santo. Com uma semana de namoro, ele me levou até lá. Todo mundo que a conhecia passava a amá-la e comigo não foi diferente. Anos depois, apresentei a Elza para um colega do meu trabalho e ele também a adorou e não parou mais de visitá-la”, conta a nora. A distância entre as duas cidades da Grande Vitória nunca foi obstáculo para o convívio. A Bica de Roda d’Água, em Cariacica, será para sempre um endereço especial na memória de Maila e de seu filho. “Todo fim de semana que tinha um sol quente, ela me ligava e dizia: ‘acorda que vamos para bica tomar banho’. Eu saía daqui da minha cidade com meu filho. Ela fazia uma farofinha excelente para levar e meu menino amava a farofa da vovó Elza, sempre que íamos à casa dela, já pedia a farofinha gostosa”, recorda Maila.

Foi com Elza que Maila aprendeu a “nunca deixar de amar o próximo e sempre perdoar quem está em nossa volta, pois a vida é muito curta”. Elza teve grandes decepções, mas era muito religiosa. “Não foi fácil a vida dela, o filho mais velho morreu afogado, quando tinha entre seis e sete anos. Mesmo assim, ela seguiu em frente e criou os outros três filhos: o meu marido, o Gledson e Gleisiane e era uma avó extremamente doce de três netinhos”, descreve. Por mais de trinta anos trabalhou para a mesma família como empregada doméstica, em Vitória. Na rotina semanal, tinha dias reservados para colocar em prática todo seu talento na cozinha e preparar as refeições da semana para os patrões. Com isso, adquiriu o hábito de congelar os mais variados tipos de alimentos.

O objetivo dela, com tanto trabalho, era erguer a casa que construía há anos. “Todo dinheirinho que sobrava, fazia algo na casa. Era azulejo, pia, novos cômodos, só faltava bater uma laje para deixar a casinha dela na altura da rua e fazer uma escada”, explica Maila, que ajudou em várias obras. “A casa ficava em uma baixada e não tinha uma escada ou rampa. Ela costumava dizer que a escada só ficava feitinha quando eu ia lá, pois eu sempre fazia os degraus com a enxada, mas quando chovia muito, ela só conseguia sair de casa pelo quintal da irmã ou descendo de bunda.”

Faltou pouco para ela conseguir realizar o sonho de ver sua “casinha bem-feitinha”. Um lugar que ela transformou no endereço certo para acolher quem precisasse e não foram poucos os momentos em que Elza ofereceu abrigo a quem não tinha um lugar para ficar. Certa vez, ela trouxe para morar em sua casa uma moça vinda da Bahia, que já estava desistindo de ficar na Grande Vitória por não conseguir emprego.

Elza só parou de trabalhar quando foi internada no Hospital Jayme Santos Neves, na Serra, onde seguiu intubada por 53 dias. Evangélica, colocou nas mãos de Deus o seu destino. Maila diz que a sogra falava que se tivesse de acontecer, “só pedia para Deus que a preparasse para a eternidade”.

Elza nasceu em Vila Velha (ES) e faleceu em Serra (ES), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela nora de Elza, Maila Pardinho. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Magaléa Mazziotti, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 27 de julho de 2020.