1987 - 2020
Gostava de andar nos barcos de pesca do avô com os amigos e com os primos, e depois saltar de lá de cima.
Ênio foi o primeiro filho de Rosana. Quando ele nasceu, ela tinha 19 anos e foi uma grande experiência. “Ele foi o meu boneco, era uma relação muito especial, tínhamos uma conexão mágica e eu me orgulho de ter conseguido guiar meu filho para o melhor caminho, mesmo sendo muito inexperiente na vida. Ele foi uma criança maravilhosa”, lembra a mãe, que o tratava com muito cuidado, quase como se o colocasse em uma redoma de vidro, protegendo-o das brincadeiras arriscadas. “Eu prestava atenção em tudo, cada gesto e cada passo, pois tinha medo de perder ele”, diz Rosana. O cuidado foi tanto que o amamentou até os três anos e seis meses, e ele dormiu na cama da mãe até os sete anos. “A infância dele, na verdade, foi nossa. Pois éramos inseparáveis”, conta a mãe.
Quando Ênio entrou na escola, com uns quatro aninhos, sempre falava que só ficaria lá se a mãe ficasse no pátio. E ela sempre ficava, todos os dias. Ele, claro, ia muitas vezes checar se ela realmente estava lá. Quando dava a hora da saída, ele corria até a mãe e pulava de alegria ao seu redor.
A mãe e ele tinham uma conexão muito forte desde sempre. Rosana lembra da sensação de poder auxiliá-lo nos primeiros passos, de dar a primeira papinha e de ser a base para o filho. Das atividades dele na escola, da ida à natação, da prática de judô, da montagem do figurino na festa junina e no auxílio nas atividades da escola.
Uma história curiosa que se passou em sua infância foi quando ele foi convidado para ir a uma festa de aniversário e era uma festa a fantasia; ele queria muito ir de xerife e foi uma correria atrás dessa fantasia. “Lembro que fomos eu, a tia, o avô e a avó... todo mundo à procura da fantasia que iria deixá-lo feliz. E ele gostava dessa fantasia porque meu pai era policial, então amava farda e arma de brinquedo”. Ele nunca gostou de soltar pipa e coisas assim, mas ele amava jogar bola próximo à praia, andar de caiaque e nadar com os amigos.
Ênio amava o mar e a areia da praia era sua casa favorita. Era muito levado para ser deixado sozinho, eu sempre tinha que ficar de olho. Mesmo quando era para andar de bicicleta ou algo do tipo, ele conseguia transformar aquilo em uma atividade radical e perigosa. Foi precoce e com nove anos já sabia dirigir porque o pai sempre viu isso como um momento dos dois. Então, com treze anos, já pegava o carro para sair e ir até a praia, e levava toda a sua aparelhagem de som para curtir com os amigos — um grupo que cresceu junto, desde criança até a vida adulta.
Viveu muito intensamente a sua adolescência, curtiu e sentiu cada momento. Amava ir à micareta de van com os amigos e levava bonecas que eram vestidas com as roupas da irmã. “Ele também mentia para nós, ia beber escondido e nós íamos atrás brigar com ele. E ria quando era pego, principalmente com o meu desespero”, relembra a mãe.
Ainda adolescente, numa tarde após o curso de inglês, sentou-se na praça com uma menina e, desligado, acabou esquecendo todo o material lá. Tentou esconder tudo por meses, até que um dia teve que contar para a mãe. Foi uma confusão para encontrar os livros, pois eram caros e os pais não tinham como pagar duas vezes no semestre. No fim deu tudo certo e a mãe ficou até feliz pelo fato dele ter falado a verdade.
Ele amava correr de carro, andar de moto, viajar, pegar a lancha e fazer manobras radicais. E sempre viveu tudo o que queria, não perdeu nada, aproveitou todos os momentos da forma mais intensa possível.
Quando se trata de amores da sua vida, sem dúvida a irmã foi alguém muito especial para ele. Durante a gestação da mãe ele ficava sempre muito animado com a idealização da irmã que estava a caminho. Uns dias antes de ela nascer ele foi naquelas máquinas de bichinhos de pelúcia, pegou 110 ursinhos para a irmã e pediu para colocar no quarto para ela. No dia em que a irmã nasceu, nem beijou a mãe, foi correndo pegar a irmã no colo. E a partir de então, era acordar ao lado da irmã, era fazer a irmã rir, ficar ao lado dela, protegê-la, ajudar a irmã a dar os primeiros passos, tomar conta dela na escola e ensinar as matérias.
Já durante a adolescência, Ênio escondia que tinha uma irmã, por ciúmes. Ela cresceu, ficou uma moça bonita; quando as pessoas lhe diziam isso, ficava enciumado. Quando os pais não estavam por perto ele fazia o papel deles e a irmã era obediente. Por saber que os amigos a achavam bonita, ele não a levava para festas e baladas. Ele morria de amor por ela e queria protegê-la a qualquer custo, pois tinha um medo enorme que se machucasse; por conta disso, ele tinha que aprovar os pretendentes. Os amigos não podiam nem elogiar e nem falar mal, as duas situações eram motivo para se afastar dessa amizade. “Eu sou muito grata pelo amor que eles possuíam um pelo outro, tinha muito orgulho, era encantador ver o amor e a preocupação dele com a irmã. Ele era rígido quando necessário e doava amor nos outros momentos, inclusive deu um carro de presente para ela. Eu tenho vários irmãos, mas nunca vi um amor de irmão tão lindo quanto o deles. Era perfeito”, diz a mãe.
Na festa de 15 anos da irmã, ele foi o escolhido para dançar a valsa; no casamento, o pai foi até a metade do caminho para o altar, pois era ele quem iria entregar a irmã nos braços do futuro marido. Inclusive, quando ele a observava entrar na igreja, olhou para a mãe com lágrimas nos olhos e disse que a missão estava cumprida: já haviam tido muito sucesso, pois foi Ênio quem pagou a faculdade dela e exerceu a função de pai.
A irmã o influenciou em sua religiosidade: ele começou a ir à igreja após os pedidos dela. Foi aos poucos, levando um dia de cada vez, e logo chegou o momento em que ele passou a pedir até mesmo para a namorada também começar a frequentar. Ele conheceu Jesus, deixou que entrasse em sua vida, e depois disso mudou totalmente: abriu mão das festas, bebidas e deu lugar ao amor de Jesus. Quando ele mudou de vida, casou-se com a maior paixão da vida dele, a Débora. Ela era o amor de adolescência. E o que mais marcou a irmã foi a entrega dele a Deus, ele sempre queria estar perto da Igreja e de Deus.
A mãe era outro amor. Preocupado em não a magoar quando decidiu sair de casa, ele foi saindo aos poucos, de forma gradual e lenta, para que ela não sentisse muito. Ele simplesmente dormia um dia fora de casa e depois três dias em casa, mas chegou uma hora que ele realmente teve que ir de vez e para a mãe não sentir sua falta deixou todas as suas roupas no quarto intactas e comprou coisas novas. “Eu não pedi para ele fazer isso, não falei que iria ficar mal, mas ele sentia, ele sabia como cuidar de mim, ele me entendia antes mesmo de eu falar algo. Mesmo com ele longe, nós conversávamos todos os dias e algumas vezes na semana ele ia dormir na minha casa”, lembra Rosana.
O grande sonho dele era ser pai. Enchia o peito para dizer que queria ser metade do que a mãe tinha sido para ele. Com isso, ele já estaria fazendo um ótimo trabalho e assim se sentiria completo em sua missão. Débora e ele começaram a namorar quando ela tinha apenas 15 anos. Eles tiveram alguns momentos de idas e vindas, mas logo se casaram. Era uma relação muito boa, ele a amava intensamente, foi o melhor momento da vida deles. Ela era uma ótima esposa e ele um ótimo marido. Eles se completavam, eram cúmplices, nunca ficavam muito tempo separados, viajavam juntos, adoravam sair e ele amava fazê-la ela rir. O maior sonho dele era ter um filho e ele curtiu todos os momentos da gravidez.
“O Ênio foi um homem forte, nunca mostrava fraqueza pra ninguém. Era um homem com uma risada marcante que alegrava as pessoas. A maior realização da vida dele foi a filha, Júlia, que nasceu 12 dias antes do seu falecimento", conta Rosana.
"Ele foi um pai para mim; ele me criou e me amou muito, e o som de sua risada permanece fresco em minha memória. Ele sempre viveu a vida intensamente, aproveitando cada minuto possível, adorava viajar e ir a festas. Eu guardo os ensinamentos dele com muito carinho, principalmente a forma como ele era forte. Lembro que ele zelava muito pelo bem-estar da família", são as palavras da irmã, Erica Carolina.
"O Eninho era um homem correto, sempre grato pela vida, sempre se posicionava, tentava sempre ver o lado bom das coisas, ele sabia aproveitar o melhor da vida — e como ele amava sentir-se vivo. Ele era a cópia fiel do avô, sabia que o seu maior dever era proteger a família."
Deixou ensinamentos. Entre eles, mostrar que é possível ajudar ao próximo sem esperar algo em troca e que não é preciso contar para ninguém o que se faz pelos outros. Ele fazia tudo de coração. Sua gargalhada marcante nunca será esquecida. Além da saudade, deixa para a mãe o sentimento de gratidão e do dever cumprido por ter trazido ao mundo alguém tão especial.
Ênio nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 32 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela mãe de Ênio, Rosana Tavares Coelho. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Muhl, editado por Ana Clara Cavalcante, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 9 de maio de 2022.