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Enoc Muniz Duarte

1945 - 2020

Enoc era mágico! Agradava a gregos e troianos sem perder sua autenticidade.

Ele era um homem de poucas palavras, mas de imensa gentileza. Sorria com os olhos e abraçava com o olhar. Era a delicadeza personificada em um ser humano! Seu humor refinado e inteligência afiada preenchiam o ambiente com leveza, luz e harmonia. Enoc, seu nome, é inspirado no personagem bíblico que "andava com Deus". Ele, porém, dizia ser o genérico.

Amava sua família, seus amigos e Deus com uma intensidade tão genuína e autêntica que transbordava e enchia de inspiração os demais. Tinha quatro irmãos de sangue, mas reuniu muitos outros de coração ao longo da vida. Muito sereno e de bastante fé, sempre foi o ponto de equilíbrio da família. Foi um ótimo marido, pai, avô, irmão e amigo.

“Sarah não poderia ter tido um avô mais bacana. Eu e meu irmão não poderíamos imaginar um pai mais presente, amoroso e compreensivo do que ele. Minha mãe sabe que ele foi o melhor marido e pai dos seus filhos, além de ter sido o amigo e companheiro mais fiel que ela poderia ter”, declara a filha Luciana.

Levou a vida de forma simples, mas sofisticada. “Esbanjava com uma discreta elegância o seu jeito tranquilo de viver a vida e valorizar as coisas que são realmente importantes”, conta Luciana. Tinha na rotina café no coador de pano, jogos do Botafogo, livros, televisão e, claro, expressões de louvor a Deus. Não gostava de falar ao telefone, mas se entregava com os ouvidos atentos a uma boa conversa sobre política, religião, futebol ou qualquer outro assunto, sempre muito erudito e cortês.

Era de certo modo introspectivo e tímido, mas isso não impedia que as pessoas ao redor se sentissem conectadas com a sua presença. Era unânime: agradava a gregos e troianos sem perder sua autenticidade. Seus silêncios eram cheios de conforto e acolhimento. Tinha capacidade natural de demonstrar empatia e compaixão pelo outro.

Enoc era mágico! Quando os filhos eram pequenos, os finais de semana começavam com música clássica ou MPB. Eles queriam dormir, mas a música alta invadia o quarto e os tirava da cama. "Hoje meu gosto por esses dois gêneros musicais vem do meu pai, assim como a admiração pela Sétima Arte. Nunca me esquecerei do sorriso que ele estampava no rosto depois que eu assistia a um dos clássicos do cinema e me encantava”, relembra Luciana.

Em um dos últimos textos que escreveu, intitulado "A vida é um absurdo e o absurdo da vida", falou sobre como somos todos iguais diante da morte, sobre as escolhas que podemos fazer enquanto estamos vivos e sobre a finitude da vida. Segundo ele, "a única certeza de que o futuro nos dá é a de que vamos morrer um dia. Isso torna o hoje uma realidade urgente, ou seja, devemos celebrar e valorizar a vida."

Pensar em Enoc é rememorar e celebrar momentos felizes, lembranças para aquecer o coração e situações nas quais a sua existência se fez de forma honrosa, simples, humilde e cercada de beleza. “Que possamos nos inspirar na sua fé, no seu exemplo e na sua sabedoria para contemplarmos cada amanhecer e celebrarmos cada dia do resto das nossas vidas”, declara Luciana.

Não restam dúvidas de que Deus o recebeu com um forte abraço e Vivaldi tocando as Quatro Estações. Hoje, depois de tanto sentimento bom semeado, está matando as saudades de quem amou, tendo longas conversas e se deliciando com a música ao vivo de Tom, Vinicius, Elis, Nara, João Gilberto e tantos outros.

Enoc nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Enoc, Luciana Gama Muniz. Este tributo foi apurado por Samara Lopes, editado por Marcos Concórdia, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 4 de julho de 2020.