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Erasmo Lopes de Lima

1939 - 2021

De ouvido, era capaz de tocar qualquer instrumento, do acordeão ao violão

Não sabia o que representava uma cifra, mas tocava inúmeros instrumentos por instinto, só de seguir seu afinado ouvido. Também cantava de forma belíssima. Esse era Erasmo, o pai da Carolina.

Altamente politizado e esquerdista, nas horas livres acompanhava com assombro as notícias de política no Brasil sobre a pandemia de Covid-19, sem desconfiar que seria mais uma vítima dela. Acompanhava pelo celular notícias sobre a Previdência e fazia muitas pesquisas na internet, sempre usando o assistente de voz. Nos minutos que antecediam o telejornal noturno na TV dizia: "Tá na hora do Repórter Esso", famoso programa de notícias entre as décadas de 1940 e 1960.

Era talentoso. Formado em Administração de Empresas e aposentado; aos 81 anos descobriu, assistindo a vídeos, uma forma de consertar lâmpadas queimadas, para passar o tempo.

Tinha o olhar terno, um homem íntegro, dedicado à família. Muito trabalhador, entregava todo o salário à esposa, para que ela o administrasse da forma que achasse melhor. Era sereno e apaziguador e dava ótimos conselhos. Um libriano nato, conta a filha.

Seus prazeres eram a música, a família, o Flamengo e, mais recentemente, os passarinhos e a natureza, que gostava de observar de sua casa, no Sul de Minas. O prato preferido era bife à parmegiana, que não podia faltar no seu aniversário. Também era apaixonado por massas e um bom churrasco.

Gostava de ter a família próxima e seu maior sonho era que a filha Carolina empreendesse no Sul de Minas, para poder tê-la por perto. Vivia mandando a ela sugestões de oportunidades de negócio, baseado na sua experiência como gerente do Sebrae, no interior do Rio de Janeiro, por doze anos.

Era divertido e de vez em quando dava uns foras, como quando foi ao Canecão, com a esposa, assistir a um show do Roberto Carlos. Em dado momento, o Rei faz uma homenagem a um compositor cantando uma música de autoria dele. Erasmo, em alto e bom som, diz: "Também, esse cara só fez essa música que preste!", ao que a esposa, após dar-lhe uma bela cotovelada, confidencia: "Erasmo, você está doido? O homenageado está sentado ao seu lado".

Ou quando eles encontraram um rato morto no terreno de casa, e a esposa pediu a ele que pegasse bicho com uma pá e o jogasse no lixo. Erasmo preferiu pegar o rato pelo rabo. Rodopiou o animal e atirou-o pelo muro. Sem querer, acertou bem no peito um rapaz que, sem camisa, andava de bicicleta pela rua.

"Após sua partida", diz a filha Carolina, "me olho no espelho e mato a saudade quando vejo meus olhos, pois são iguais aos dele. Toco piano e sinto sua presença, e a formação do meu caráter devo à educação que recebi e a esse DNA carregado de valores. Obrigada, pai!"

Erasmo nasceu em Belo Horizonte (MG) e faleceu em São Lourenço (MG), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Erasmo, Carolina Velloso de Lima. Este tributo foi apurado por Samara Lopes, editado por Rosa Osana, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 29 de junho de 2021.