1949 - 2021
Viveu buscando o equilíbrio entre os ritos católicos e seus hábitos boêmios.
Euclides era parte de uma trama familiar um pouco complexa, cuja origem se remete à união de migrantes da zona rural — com uma vida bastante desprivilegiada — que foram se agregando à urbe paulistana a partir de suas margens e periferias, "beirando a linha do trem", como ele chegou a comentar certa vez.
Filhos fora de qualquer aliança conjugal oficial foi um padrão seguido por ele, tornando as relações familiares "emocionantes", não necessariamente no bom sentido do termo, conforme diz o filho Ricardo. Isso juntava fragmentos perdidos, histórias ocultas e mistérios ao seu entorno, mas ele lidava com tudo isso de cabeça erguida, mesmo diante de alguma repreensão ou adversidade.
Quando criança Euclides era levado pelo pai a tocar e cantar em rádios no centro da cidade e em circos, para apresentações que valiam também pela diversão trazida por contação de piadas. Com isso, acabou tendo que trocar a escola pelo trabalho. Foi um comunicador nato e músico violeiro amador, que amava se reunir com seu ex-genro para cantar músicas caipiras e modas de viola.
Após curso supletivo, Euclides conseguiu concluir os estudos universitários na USP, mais especificamente na Escola de Comunicação e Artes. Em termos profissionais, até chegar a esse ponto, trabalhou como feirante, engraxate, distribuidor e representante de vendas de tecidos e segurança (ou "guarda-costas") de filhos da elite da cidade. Trabalhou ainda numa fábrica de bicicletas, em gráfica e tipografia e na distribuidora BR. Infelizmente, a soma de tudo isso não chegou a lhe proporcionar uma boa pensão, porque aposentou-se em um momento desfavorável para isso.
Gostava de fazer "bicos" pesquisando preços nos supermercados. Amava ler jornal, fazer jogo em lotéricas e sonhava em abrir seu próprio escritório de corretagem de imóveis, trabalho que seu pai realizou por um tempo considerável, facilitado pelas oportunidades advindas da experiência como motorista de praça.
Muito metódico, nervoso, agitado, Euclides também era extremamente abnegado e dedicado aos seus deveres. Foi amadurecendo ao longo do tempo, como um bom capricorniano, e orgulhava-se muito da família que construiu. Hesitava em resgatar laços mais estáveis e se reconciliar com seus irmãos, mas apesar disso, fazia muito por eles.
Odiava injustiças e ingenuidades. Era malicioso e astuto, ligeiro e impaciente. No exército, quando prestou serviço, nos Anos de Chumbo — 1968, o ano que dizem que não terminou — era chamado de Papagaio.
Era de poucos amigos íntimos, mas, vez ou outra, reunia-se àqueles que ainda restavam. Enfureceu-se quando se deu conta do rumo que tomou o seu grupo de comparsas do exército na onda de polarização surgida no país.
Era um viciado em amendoins, balas e doces caseiros simples. Seu bolo predileto era de abacaxi com coco, que a família teve o privilégio de preparar para ele em seu último aniversário, menos de dois meses antes de sua partida.
No fim do ano, pai e filho confraternizaram no Natal e o filho preparou um banquete bastante especial para a passagem de Ano Novo que acabou sendo o último e único. Dele participaram somente os dois, e nessa ocasião ele contou muitas histórias, causos e lições de vida que gostava de compartilhar.
“Ele melhorou em diversos aspectos no final de sua vida. Para ele, eu era seu confidente e único amigo sincero, mas eu sempre lhe recordava que eu era o seu filho, antes de tudo. E queria que ele estivesse no meu casamento, com o genro que ele sempre aceitou e tratou bem. Obrigado, pai, por tanto. Te amarei e te levarei sempre no meu coração. Recordar é viver”, conclui o filho, Ricardo.
Euclides nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo filho de Euclides, Ricardo Sant' Ana Felix dos Santos. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 31 de maio de 2022.