Sobre o Inumeráveis

Eustáquio de Deus Ferreira

1962 - 2020

Colecionava apelidos e causos de pescaria. Espalhava afeto, dizendo que ninguém perde por ser bom.

Taquim, Bidão, Taco, Manquim. Cada um dos apelidos de Eustáquio tem uma origem. Taquim, diz a filha Maju, provavelmente veio da avó, que tinha um jeitinho todo carinhoso de chamar cada um dos seis filhos, “todos impossíveis, meu pai e meus tios”, diverte-se Maju. Bidão era a alcunha da época de faculdade, dada pelo pessoal da república, a saudosa “tigrada”. Taco era reservado à mãe de Maju, Ângela. Já Manquim era o apelido dos momentos de provocação no carteado, uma tradição de família, passada de pai para filha.“Eu o chamava assim quando achava que tinha feito algo melhor que ele”, conta Maju, sorrindo com a lembrança das rodadas de Truco, Mau-Mau, Cacheta e Canastra.

Em seu escritório, Eustáquio costumava jogar xadrez contra o computador antes de começar algum trabalho. Segundo ele, a prática relaxava e afinava o raciocínio para resolver questões difíceis.

Engenheiro de Minas pela Universidade Federal de Ouro Preto, Eustáquio foi também professor de física e matemática, nos ensinos Fundamental e Médio. "Ele era um excelente mestre. Eu ia pra escola com ele, depois que a minha mãe faleceu. Nunca esqueci o que é cateto oposto e hipotenusa. Os alunos amavam as aulas dele. Até os mais baderneiros prestavam atenção. Meu pai tinha o dom de ensinar. Ele falava com tanta propriedade dos assuntos que lecionava, era tão gostoso ouvir sua voz.” Como conta Maju, o professor Eustáquio ensinava aprendendo e aprendia ensinando. "Ele tinha uma mania muito engraçada: sempre que estava ensinando alguma coisa, assim que concluía ele falava assim: "chique?" Isso acabou virando um bordão."

Eustáquio parecia não ter horas vagas. Quando não estava fora, no trabalho, estava sempre envolvido em alguma atividade, "arrumando um trem, inventando algum serviço, cuidando das plantas que ele adorava. Também adorava dar serviço pros outros: ninguém podia ficar quieto quando estávamos juntos". Adorava canários da terra. Era fiel depositário do Ibama só pra ouvir os bichos cantarem. Tinha muitos e, quando viajava, as filhas tinham que cuidar dos bichinhos - e muito bem cuidado!

É difícil hierarquizar as paixões, mas a pesca, definitivamente, ocupava um lugar especial na extensa lista de interesses de Eustáquio. Talvez pelos encontros e memórias que proporcionava. Todo ano ele e a turma da pescaria - seus irmãos Rogério, Totonho e Leonardo, além dos sobrinhos Daniel, Thiago, Zé Renato e Igor - iam pro Pará. Gostavam de rio que dá peixe grande. “Sempre que ele chegava das pescarias, tinha um monte de histórias novas na rede. E ele contava com uma boca tão boa! A gente sentava, bebia um café e conversava até,” recorda Maju.

Assim como os apelidos, há diversos relatos carinhosos de pessoas que conviveram com Eustáquio. Cada memória coletada no rio caudaloso de sua vida ajuda a compor o retrato de um grande homem. Assim define a amiga Raquel: “pai de duas mulheres extraordinárias, de quem ele tinha o maior orgulho. Avô mais que perfeito. Como amigo, então, nem se fala!” As filhas Maju e Maria Eunice e os netos João Guilherme, Maria Luiza e Luiz Miguel confirmam que, realmente, ele foi o melhor avô do mundo.

Despede-se Raquel: "'seu' Eustáquio, suas histórias e suas aventuras ficarão em nossas memórias, sua amizade estará para sempre em nossos corações! Saudades eternas!"

"Eu tenho tantas memórias com ele. Meu pai é meu melhor amigo. Ele era meu porto seguro. Quando eu estava pra nascer, minha mãe teve algumas complicações na gravidez. O parto foi difícil. Eu lembro dele contar que quando me viu pela primeira vez, prometeu que ia me ensinar tudo que sabia. Acho que nossa amizade nasceu ali. Meu pai me ensinou a andar de bicicleta, a pescar, me ensinou a usar um canivete e a me defender. Me ensinou a ser honesta, a sempre fazer o bem. Ele sempre falava uma frase que marcou a nossa história: ‘a gente nunca perde por ser bom'. Dizia que o que a gente faz de bom para as pessoas, às vezes retorna em benefícios não só pra gente, mas também pra quem a gente ama. Isso ele ensinou pra gente: pra mim, pra minha irmã, pros irmãos dele, alunos, pessoas que trabalhavam com ele, todo mundo. Isso é ele. Ele me ensinou o que é empatia. Me ensinou a ser mulher, mãe, amiga. A lutar pelos meus direitos, a trabalhar, a gostar de trabalhar, a crescer, a nunca desistir de um objetivo, não importa a dificuldade que eu tenha. Eu tomei como propósito da minha vida ser tão boa quanto ele, eu não consigo ser igual - igual meu pai não existe -, mas eu espero que um dia eu seja tão boa quanto ele,” conclui Maju.

Eustáquio nasceu em Araguari (MG) e faleceu em Goiânia (GO), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela amiga e pela filha de Eustáquio, Rosane Raquel Cunha Souza e Maria Júlia Godoy Ferreira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Tatiana Natsu, revisado por Emerson Luiz Xavier e moderado por Rayane Urani em 2 de junho de 2021.