Firmina Marques de Sousa

1923 - 2020

Entre partos, rezas e doces, a matriarca ensinava a valorizar o que importava.

Jackeline calçou a avó com os sapatos que ela guardara para entrar no Céu, perfumou-a com a fragrância que a anciã ganhara do filho Francisco, banhou seus cabelos com extrato de babosa, colocou nela “aquele enfeite”. “O vestido não era novo”, continua a neta. Afinal, ninguém estava preparado para aquela despedida. “Mas estava limpinho e cheiroso, porque a mamãe se preocupou em lavar logo de manhã.” Estava pronta para se reencontrar com o marido, que partira seis meses antes, e a esperava para a eterna festa.

Esse delicado e amoroso rito fúnebre, feito em casa, como Firmina queria, coroa a longa vida da parteira, mulher de personalidade forte, mãe de 18 filhos e que ainda criou uma neta e um bisneto. De trazer vidas à vida a matriarca entendia. E de cura: “Tinha o dom da reza do quebranto e consertava desmentidura” – ou luxação, como se diz em outros lugares distantes do Pará.

Firmina gostava de reunir a extensa família, de fazer doces, de “talhar os próprios vestidos”, de “guardar as roupas novas e usar as velhas até rasgar”. E comemorava o aniversário “na hora exata em que nasceu”, detalha Jackeline ao descrever as singularidades da avó. Que eram muitas! “Quando ainda ouvia e enxergava bem, sentava-se com seu ‘belho’ (era como chamava seu esposo pra não o chamar de ‘velho’) no sofá da sala pra assistir às novelas da Globo, principalmente a das seis e a das oito”.

Uma atitude, porém, talvez traduza um pouco dessa vida exuberante e quase centenária, impossível de caber em poucas palavras. Quem conta a história é Jackeline: “Tive minha primeira filha aos 18 anos. Enquanto todos ficaram tristes com a gravidez precoce e lamentavam, ela pulava de felicidade, sorria de alegria, irradiava orgulho. Foi a única que ficou feliz. Valorizava a vida!”