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Francisca Therezinha Nascimento Pacheco

1934 - 2020

Sempre impecavelmente arrumada fisgou o coração do escultor, com um singelo passeio na praça.

Dona Neném, como era chamada, recebeu esse apelido ainda criança pela sua mãe, que teve duas filhas, uma ela chamava de Menininha e a outra, a Francisca, de Neném.

Filha de militar, foi educada com certa rigidez, por isso começou a trabalhar muito jovem em casa de família. Conheceu seu futuro esposo, José Pacheco. Ele, filho de portugueses, calmaria em pessoa, um ser ímpar, ela - dona Neném - um furacão! Ela sempre trabalhadeira demais, ele era escultor e esculpia peças lindas.

Quando os dois se conheceram, ele passeava em frente ao prédio onde dona Neném trabalhava. Quando a viu, ficou encantado e logo a convidou para um passeio na praça. Apaixonou-se rapidamente pelo jeito de ser da Neném. Contava ele que ela andava "muito arrumadinha".

Com pouco tempo de namoro, se casaram e juntos tiveram dois filhos - um casal - Isabel e José Luiz. Desses vieram os netos: Rafael, Vinícius e Thamiris.

Vinícius foi o neto que ela ajudou a criar. Durante sete anos ela acompanhou seus passos e cuidou para que sua mãe pudesse ir e voltar do trabalho com mais tranquilidade. Era o amor da vida dela! Vinicius, quando pequeno, a chamava de mãe, e sua mãe de "mamãe". Considerava dona Neném como segunda mãe dele.

Ela foi uma avó superprotetora, comprava brigas com os colegas da vizinhança e sempre tomava frente como uma "leoa" para defender Vinícius. Levava-o para a escola todo impecável, arrumadinho, como ela era quando conheceu o esposo José Pacheco. Participava das reuniões de pais, das consultas aos médicos, enfim fazia tudo o que podia e o que não podia pelo neto. Vivia para ele.

Dona de uma personalidade forte, dona Neném sempre trabalhou em casa de família, mesmo depois de casada e com filhos. Ela fazia de tudo na casa onde trabalhava, limpava, cozinhava, inclusive cuidava das crianças. Era tudo muito perfeito e no tempo certo, como ela gostava que fosse. Muito comprometida e dedicada ao trabalho.

Na verdade, seu primeiro trabalho, logo quando ela se mudou para o Rio de Janeiro, foi em um asilo. Cuidava de idosos. Amava fazer isso! Muito cuidadosa com todos eles. Vendo toda essa dedicação de dona Neném com os idosos, a responsável pelo asilo, mais do que depressa, a convidou para trabalhar em sua casa. E lá ela ficou por um bom tempo, cuidando de tudo e de todos, como ela gostava de fazer.

Em função do seu trabalho, ela não pôde participar tanto quanto gostaria da criação dos filhos. "Quem cuidava de nossa casa e de nós era meu pai e minha avó. Ela saía na segunda-feira para trabalhar e só voltava no final de semana. Quando teve oportunidade de participar mais de nossas vidas, já com uma situação financeira melhor, curtiu muito os netos e dizia ser a melhor fase de sua vida", comenta sua filha Isabel.

Trabalhou em várias casas ao longo da vida, cuidou de vários filhos que se tornaram adultos e verdadeiramente gratos à ela.

Com o passar dos anos, dona Neném teve Doença de Alzheimer, em um nível bem elevado, a ponto de esquecer quem eram os filhos. Mas os louvores da igreja, ah, esses ela nunca esquecia... "Me lembro que, certo dia, coloquei o louvor que ela gostava de ouvir e ela cantou comigo o louvor 'Eu Navegarei', inteirinho, do começo ao fim", relembra e se emociona Isabel.

Dona Neném sempre foi uma mulher muito rígida, herança da criação que teve, e com o Alzheimer ela se tornou uma pessoa muito amorosa, beijava os filhos, dizia que os amavam, tinha o desejo de acariciá-los. Extremamente carinhosa. Amava escutar as cantigas de roda. Sua família fez vários registros dela cantando, brincava com todos sem saber quem eram, mas estava em um momento de pura e intensa felicidade.

O Alzheimer a transformou em um bebê, usava fraldas, precisava de ajuda para banhos, comida na boca. Momentos delicados, de muito cuidado e atenção, embora de muita proximidade. Thamiris, uma de suas netas, é enfermeira, graduou-se bem novinha. Ajudou muito a cuidar de dona Neném. Com cuidado e muito amor, a carregava no colo. "Foram momentos de troca de carinho, de amor, que contribuíram para nosso conhecimento e aprendizado; além de nos fazerem também muito felizes, pois tínhamos nossa mãe ali conosco. E ela nos tinha, sempre ali por perto, cuidando dela. Foi uma oportunidade de cuidar e sermos cuidados", comenta Isabel.

Será lembrada sempre como uma mulher forte, batalhadora, ativa e protetora da família.

Francisca nasceu no Rio Grande do Norte (RN) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado sua filha de Francisca, Isabel Cristina Pacheco. Este tributo foi apurado por Sonia Ferreira, editado por Sonia Ferreira, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 29 de junho de 2021.