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Francisco Gonçalves Costa

1954 - 2020

Falava alto e todos pensavam que ele era bravo, mas chorava até mesmo com propagandas que via na TV.

"Hoje acordei às 6h04. Não, não, eram 6h07". Era assim que Francisco começava suas histórias, destacando detalhes que a maioria de nós não costuma dar atenção, mas que nunca passaram realmente despercebidos por seus ouvintes mais amados.

Ao longo da vida, foi chamado de Ceará ou de Chico pelos clientes que o conheceram por seu trabalho como pintor. A esposa Iza o chamava de "bem", os filhos chamavam de paizão, enquanto alguns de seus amigos preferiam Bigode e o neto mais velho o chamava de vovô gatão.

Acontece que a trajetória de Francisco teve início antes que cada um desses apelidos carinhosos passasse a fazer parte de seu dia a dia. Nascido em uma cidadezinha muito humilde, no interior do Ceará, teve uma infância bastante difícil. Tão dura... Mas deu um jeito de buscar um novo rumo com apenas 15 anos, quando foi sozinho para São Paulo e pouco falava a respeito daquilo pelo que passou.

Do passado, carregava com carinho, lembranças de um avô que o ajudou a se mudar para capital paulista, lugar que passou a conhecer tão bem quanto a palma de sua mão. Nada aconteceu da noite para o dia, porém. Muito novo, sozinho em uma cidade grande e desconhecida, Francisco sentiu medo, morou em pensões, pegou caxumba e outras doenças e, como ele próprio dizia, só vingou por Deus.

Pouco a pouco, Francisco foi fazendo amigos e, quando já era homem feito, conheceu sua Iza e, juntos, deram as boas-vindas a Bruno e Camila. A filha lembra que durante a infância não entendia a ausência do pai, que "trabalhava muito, inclusive aos finais de semana". Com o tempo, a compreensão veio e as razões para chamá-lo de paizão ficaram claras para os irmãos.

Camila conta que o pai era do tipo babão e "tinha muito orgulho da família, andava com nossas fotos na carteira e sempre mostrava e falava da gente por onde ele ia". Francisco adorava comemorar as conquistas dos filhos e isso era um incentivo a mais para que tudo fosse compartilhado com ele. Engana-se, porém, quem pensa que ele apenas assistia enquanto os filhos corriam atrás dos sonhos e superavam seus desafios. Francisco era "pau pra toda obra".

Mesmo sem carro, o paizão ia onde quer que fosse preciso, pegando uma ou mil conduções, só para estar com os filhos, ajudando, dando apoio ou, simplesmente, para ficar junto. A verdade é que Francisco era fonte de energia da família, tendo sido um bom marido, bom pai, bom sogro e, principalmente, um bom avô.

Gostava tanto de estar com os seus, que queria fazer churrascos todos os finais de semana para juntar a família; era a comida preferida dele e Francisco era um churrasqueiro de mão-cheia, sendo o único que sabia o jeito certo de salgar, de assar e de cortar... Jogava muito na loteria e brincava dizendo que, caso ganhasse, ia gastar todo o dinheiro do prêmio em churrascos!

Encontros festivos também eram certeiros e aconteciam várias vezes a cada dezembro, quando a família se juntava para celebrar o aniversário de Francisco, porque, apesar de nem gostar muito de bolo, ele amava ter todo mundo reunido para uma bela bagunça. Algo bastante adequado para um homem que sempre foi muito alegre que se tornou conhecido e muito querido, principalmente pelo seu senso de humor. Uma marca quase tão distinta quanto seu bigode branco.

E, como conclui Pedro sobre o amigo Chico, "agora ele vai colorir o céu".

Francisco nasceu no Ceará e faleceu em São Paulo (SP), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Francisco, Camila Costa. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Reis, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 12 de setembro de 2020.