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Francisco Ligero Martin

1946 - 2020

Goleiro amador do time dos aposentados, queria silêncio quando assistia ao jogo do seu clube favorito.

Fruto de um romance proibido entre os pais, que cruzaram o Atlântico fugindo da Espanha, para viver e constituir família no Brasil, Francisco era o caçula dos cinco filhos.

Fez a vida na estrada como motorista de caminhão, viajando de Norte a Sul do país, sempre para a mesma empresa transportadora: emprego que lhe garantiu o único registro em carteira, até alcançar a aposentadoria. Não raras vezes, das suas andanças trazia consigo na boleia algum pássaro para criar e tratar no seu quintal. “Isso quando não pegava alguma ave na rua, como aconteceu com um pássaro cego”, relembra a neta Bruna. Cuidadoso que era com o animal, colocava-o numa banheira para se refrescar nos dias mais quentes. Francisco também se alegrava como criança nas brincadeiras com o Pipoca, o cachorro da raça Spitz Alemão, que o acompanhava nas refeições à espera de banana ou outra fruta como sobremesa.

Mas os pequenos prazeres de Francisco não paravam por aí. Gostava do futebol e praticava o esporte de forma amadora como goleiro, função que desempenhou em campo até os 70 anos no time da Associação dos Aposentados, com quem também se divertia nas viagens de excursão em grupo. Bruna revela: “Era o melhor goleiro que já vi. Meu pai e minha avó sempre o acompanhavam e amavam vê-lo jogar; era uma alegria contagiante”. Torcedor inveterado do Corinthians, ganhou dos netos uma festa em casa para comemorar a vitória do Timão na Libertadores, em 2012. Até reforçava seu lado mais ranzinza quando reclamava do barulho à sua volta na hora do jogo, queria concentração.

Mais do que no futebol, Francisco e Bruna também foram parceiros em pequenas reformas, consertos mecânicos e serviços em geral, a partir dos conhecimentos que ele adquiriu por conta própria. Ela relata que ele a incentivava a fazer um pouco de tudo e dizia: “Nunca deixe ninguém falar que você não pode fazer as coisas, basta ter interesse”, ensinamento que Bruna absorveu com gosto. A única contrariedade entre Bruna e o avô foi na habilitação para motocicleta, conquista que Francisco sempre repreendeu na moça. “Ele se preocupava muito porque eu ia e vinha do trabalho de moto".

Com a companheira de vida Terezinha, Francisco passou cinquenta e cinco anos e teve cinco filhos, nove netos e quatro bisnetos. A última comemoração em conjunto foi o aniversário de casamento, reunião que eles fizeram questão de organizar e a família guarda com emoção como a memória autêntica do casal.

Conheça ainda a história de Terezinha Gomes Ligero, também homenageada neste memorial.

Francisco nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Guarulhos (SP), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Francisco, Bruna da Costa Ligero. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 20 de setembro de 2021.