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Franklin Delano de Moraes Costa

1948 - 2020

Fazia questão de ser correto em tudo; nem pisar na grama era permitido, mesmo que ninguém visse.

Carioca de nascimento e sul mato-grossense de criação, Franklin encarou a vida como pôde, logo aos 10 anos. Sob a guarda de um pai extremamente severo e com a ausência da mãe, internada por doença psiquiátrica, o menino não encontrou uma alternativa e fugiu sozinho para o Paraguai. Foi acolhido por desconhecidos na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, onde aprendeu a gostar da música local que, na maturidade, lhe rendia memórias afetivas.

Alguns anos depois, já na juventude, decidiu voltar para a cidade natal. Aproximou-se de uma tia, mas a convivência foi pouco duradoura. A independência parecia já fazer parte da personalidade de Franklin, desde sempre. Desse tempo difícil ele pouco falava.

As andanças pela zona central do Rio de Janeiro, capital do estado, a trabalho e a passeio, renderam-se o encontro com o amor da sua vida, literalmente no banco da praça. Puxou conversa despretensiosa com a moça bonita que viu ali no Largo do Machado, e o local se tornou ponto de paquera do casal. O namoro com Tânia, a quem chamava de “Pretinha”, virou compromisso de casamento. Juntos e muito unidos, permaneceram assim por 48 anos. Criaram Sílvio, Renata e Márcio, com todo o esforço para oferecer estudo universitário para o caçula.

“Faziam quentinha para pagar os custos da faculdade do filho mais novo, que estudava Medicina”, conta a neta Cíntia, com orgulho. E complementa: “minha avó cozinhava e ele, muito meticuloso, fazia as caixinhas e embalagens para sair e entregar para a freguesia”. O casal expandiu as vendas, inclusive para atender aos funcionários de um shopping center na redondeza.

Franklin não sabia ficar parado. Trabalhou até com o filho mais velho, quando ele abriu uma casa musical noturna no centro da cidade. Aposentou-se a contragosto, por motivo de saúde.

Reservado e recluso por natureza, era de poucos amigos e mínimas saídas. Mas, vaidoso que era, não saía sem pentear o cabelo. Viajava contrariado apenas para agradar a sua amada Tânia. Com ela quis voltar uma vez ao Paraguai e, na mesma ocasião, conheceu a Argentina e Foz do Iguaçu. Franklin gostava mesmo era de ficar em casa, fazer jardinagem nas horas vagas, saborear o bolo de chocolate da filha e ouvir The Beatles e a música paraguaia para afagar as reminiscências do jovem de outrora. Conservava o seu velho Tempra como uma relíquia. “O carro dava defeito toda semana”, brinca a neta, “mas ele era apaixonado”.

Mas seu coração amoleceu de verdade com o nascimento da primeira neta. Cíntia relembra com afeto: “ele me chamava de ‘bebê’, ‘neném’ na frente de qualquer pessoa. Fazia tudo por mim e me paparicava bastante, porque eu era a única”. “Eles me contam que meu avô mudou, inclusive, a relação com os filhos por minha causa.” Mais de duas décadas depois vieram Catarina e Heitor para alegrar a rotina já mais debilitada do avô. A família era seu tesouro.

Leitor ávido e dedicado, “sabia tudo sobre História e as guerras”, ressalta Cíntia. Ficava horas falando sobre o assunto, com quem quer que desse margem para a conversa.

Era inconformado com as injustiças, prezava pela honestidade e pelas coisas certas. Pisar na grama? De jeito nenhum! E esse era apenas um exemplo do homem justo e honesto que deixa saudades.

Franklin nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Franklin, Cintia de Carvalho da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 27 de abril de 2022.