1934 - 2021
Habilidoso e criativo, amava o desafio de inventar e consertar coisas.
Gastão foi casado com Maria Therezinha. Ambos viviam na cidade mineira de Ouro Preto e conheceram-se por intermédio de um tio dela. Mantiveram-se casados por cinquenta e nove anos, numa relação de muita cumplicidade e companheirismo. Ele sempre a respeitou e agradou muito, e ela também o mimava bastante. Quando Therezinha foi acometida pela Doença de Alzheimer, Gastão continuou fazendo o que podia para cuidar bem dela e lhe proporcionar uma boa vida.
Os dois foram pais de Cláudia, Ângela e José Carlos, falecido em 1996. Embora não fosse muito de demonstrar o carinho que tinha pelos filhos, Gastão sempre procurou dar-lhes o melhor em termos de educação, viagens e suporte profissional. Suas exigências em relação a comportamentos que julgava serem os melhores algumas vezes geravam conflitos, mas isso não o impediu de ser um excelente pai.
Foi um avô que sempre deu muito suporte financeiro para todos os netos — bem como ajuda nos trabalhos escolares — e vivia contando casos interessantes para distraí-los. A neta Clara, relembra: “Uma forte memória que tenho é da casinha de boneca de alvenaria que ele fez para mim e minha prima, em tamanho real, de casa mesmo, com direito a varanda e banheiro, e que passaria facilmente por uma quitinete”.
Era muito dedicado aos irmãos e amava encontrar-se com eles para almoçar e conversar. Possuía inteligência e caráter inquestionáveis, características que às vezes o tornavam um pouco impaciente por achar que todos deveriam raciocinar como ele.
Gastão era Engenheiro de Minas e graças à sua inteligência sempre teve ótimos cargos. Trabalhou por anos na Usiminas/Usimec, em Ouro Preto, e durante um período da sua carreira viajou para Alemanha, Japão e outros países, para ajudar empresas de siderurgia e mineração a implantarem projetos. Foi o autor do projeto dos “fingers” — os tubos que ligam a sala de espera à porta dos aviões — do aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Foi feliz e realizado em sua profissão e teve uma vida muito boa graças ao seu trabalho.
Ao se aposentar, mudou-se para a zona rural de Ouro Preto onde já havia comprado um sítio para finais de semana. Fez dele seu lar e sua diversão: vivia inventando projetos de melhorias para o local, como uma ponte para a lagoa, um jardim para contemplação, cadeiras para a varanda e um "segura-véio" para ele, a esposa e os irmãos passearem com segurança pelo sítio.
Sua rotina consistia em acordar, tomar café e sair para dar uma caminhada com sua fiel cachorra Shiva. Costumava passar as manhãs em sua oficina, que tinha todas as máquinas que se pode imaginar, porque sempre havia alguma coisa do sítio para consertar ou algum projeto que ele inventava para passar o tempo. Conversava diariamente com os dois caseiros do sítio para ver quais atividades precisavam ser feitas e saber se eles precisavam de ajuda.
Na parte da tarde, ficava em seu escritório fazendo trabalhos de eletrônica, como consertar computadores ou rádios que ele amava. Gostava tanto de desafios, que chegou a comprar motos estragadas no leilão do Detran pelo puro desafio de conseguir consertá-las. Também fazia companhia para a esposa, indo com ela passear ou à cidade resolver algum problema.
Gastão também gostava de inventar coisas. Fazia experimentos de física para os netos; via projetos de cadeiras na internet e os executava para colocar em sua varanda ou na churrasqueira da piscina; comprou um carrinho estragado só para ter o prazer de consertá-lo e adaptá-lo para ser puxado por um antigo quadriciclo, com o qual o caseiro recolhia a grama ou o capim depois de cortados; fez os armários embutidos da casa de Clara. E não parava por aí, chegando certa vez a transformar uma chocadeira em incubadora para os cachorrinhos recém-nascidos na clínica veterinária da filha.
Nas horas vagas, gostava de ouvir música clássica, ler livros e notícias, pesquisar sobre coisas de marcenaria ou física quântica num site de vídeos e ainda inventar mais coisas para o sítio. Adorava canjiquinha, sopinha de macarrão com feijão e empadinha sem cebola — um tempero que ele odiava e sabia quando uma comida tinha sido preparada com ele só pelo cheiro!
Extremamente brincalhão, sempre fazia piada com as palavras, as pessoas e as roupas da neta. Quando ela usava uma saia longa, dizia que estava de “Maria Mijona”, numa alusão ao costume antigo das mulheres da roça, usando seus vestidos longos, fazerem xixi na rua sem levantar a saia quando iam para a cidade de Ouro Preto resolver alguma coisa. Também brincava quando ela usava calça rasgada e perguntava se ela estava sem dinheiro ou se tinha faltado pano...
Gastão era ateu, mas fez mais bondades em sua vida do que muitos que se dizem cristãos. Gostava de ajudar sempre a quem precisava e, juntamente com a esposa Therezinha, manteve uma espécie de escolinha, onde ensinavam as crianças da região a usar o computador, a digitar, a lidar com os aplicativos para escritório e tudo o mais. Ao final do curso, ele as presenteava com computadores que recolhia na sucata e reformava. Muitos destes alunos, quando encontram seus familiares, relatam que conseguiram bons empregos graças ao que aprenderam com eles.
Gastão parece ter realizado todos os seus sonhos, menos um, que comentou com Clara: o desejo de voltar à praia. É que, devido à grande devoção à esposa, não tinha coragem de ir sem ela, já que sua saúde não lhe permitia mais acompanhá-lo.
Clara fala das muitas e alegres memórias afetivas que guarda de seu avô: “Tenho tantas lembranças dele, éramos realmente muito próximos... Tenho uma lembrança afetiva muito gostosa, dele me ajudando a preparar meus aniversários. Eu sempre gostei muito de comemorar e fazia festas no sítio. Quando fiz 21 anos ele coordenou os caseiros para providenciarem luz para o local onde seria a festa — no gramado da piscina. Então, ele preparou toda a ligação da iluminação, uma fogueira de mais de dois metros de altura e uma barraca de bambu, para que pudéssemos colocar mesas e cadeiras embaixo. Enfim, tudo para me agradar! E ele adorava falar assim: “Clarinha dá um trabalho!!!”
“Outra coisa típica entre a gente era uma brincadeira de que, quando eu falava 'Ô vôoooo', significava que eu ia pedir alguma coisa ou ajuda" diz Clara, achando graça. "Ele também não gostava de tirar fotos e aí ficava fazendo caretas, só para atrapalhar. Adoro essas fotos”.
“Quando éramos crianças e minha prima vinha passar as férias, ele fazia pipoca para a gente à tarde. Na hora de preparar, a gente ia pra cozinha e ele usava aquelas pipoqueiras próprias, com haste na tampa para mexer o milho enquanto estoura. Ele dizia que quanto mais a gente rebolasse, melhor a pipoca ficava! Aí ficavam os três bobos rebolando junto com a panela! Era muito divertido."
“Almoço às 12 horas em ponto e lanche também na hora certinha. Tinha uma época em que, se a gente não chegasse no horário certo, tinha que esperar ele e minha vó comerem para depois nos sentarmos à mesa. Meu avô seguia regras de etiqueta rigorosamente e detestava quem comia com falta de educação. Tínhamos que ficar sentados esperando minha vó servir nossos pratos (não podia cada hora um levantar e se servir); e detestava que a colher do açucareiro encostasse no suco e voltasse molhada para o açucareiro.”
Para finalizar, Clara conta que, como parte de seu legado, Gastão lhe ensinou a ser sempre honesta e não falar mentiras. Relembra que ele às vezes reclamava da vida, mas no fundo era um grande contemplador dela! Ele se foi de forma inesperada e deixou muita saudade.
Gastão nasceu em Ouro Preto (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Gastão, Clara Gomes Guimarães. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 29 de junho de 2022.