1931 - 2020
Contava as melhores histórias. Algumas eram fruto de sua memória; outras, de sua prodigiosa imaginação.
Esta é uma carta aberta de Cassius para sua encantadora avó:
Perto de completar 90 anos, atendia o telefone com jovialidade, dizendo: "Está tudo bem, tirando esses problemas de menina moça, flor da idade". Porque era assim que Georgina se via, estava para sempre na flor da idade. Minha avó era uma fonte de elogios, de colo, abraço; estava invariavelmente pronta para oferecer carinho.
Georgina ensinou a amar. Estava sempre disposta a fazer qualquer coisa por sua família. Para ela nada era visto como sacrifício. Era com prazer que fazia algo em prol do outro, como se fosse lógico e racional. Dizia: "Mas é claro, vocês são família!", como se essa resposta sempre fosse óbvia, como se o laço de sangue tivesse um significado maior e impenetrável.
Sempre foi uma grande companheira, a melhor confidente para qualquer segredo ou problema. Possuía a habilidade um tanto mística de saber como você se sentia antes mesmo de você dizer.
Minha avó tinha o maior senso de humor que já conheci. Para ela tudo tinha alguma graça. Vivia rindo à toa da vida, e quando não tinha motivo para rir dava um jeito e criava. Criava apelidos para os objetos, neologismos... Isso mesmo: minha avó inventava palavras. A imaginação fértil gerava histórias, que podiam ser resgatadas do passado ou mesmo nascidas de sua maravilhosa mente criativa.
E foi com a mesma desenvoltura e alegria usadas na produção dessas histórias que ela criou dois filhos, dois netos e dois bisnetos. Georgina ensinou a ler e a escrever. Orgulhava-se de poder contar que antes mesmo de entrar na escola sua prole estava alfabetizada.
Certamente sua imaginação foi alimentada pelas narrativas televisivas que acompanhava: era grande fã de filmes e novelas; amava inclusive assistir às reprises. Outra paixão eram as palavras cruzadas. Nos intervalos entre as missões de cozinhar e ajudar os netos e bisnetos nas lições de casa, esses eram seus passatempos favoritos. Gostava de se manter ativa, física e intelectualmente, mesmo com o avançar da idade. Sentia um orgulho tremendo de se sentir útil, ocupada.
Em sua opinião, todo mundo era lindo, galã de filme americano, voz de veludo, esbelto e brilhante. E de tanto repetir ela me ensinou a ver o mundo dessa forma. Como se tudo fosse lindo, como se tudo fizesse parte de uma grande história. Ela me ensinou a amar ouvir e contar histórias.
Foi dona de um coração enorme em que não cabia o tanto de amor que ali pulsava. Um ícone de personalidade forte e criativa que vai deixar muitas memórias boas, muitos momentos doces, e principalmente muita saudade.
Georgina nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 89 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo neto de Georgina, Cassius Augusto Bernardes de Jesus. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Ana Macarini, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 2 de outubro de 2021.