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Gerson Bispo Moreira

1948 - 2020

Transbordou seu talento inato em retratos, desenhos, pinturas e exímias caligrafias.

Gerson foi daquelas pessoas que aprendem bem cedo que a vida lhe será árdua. Perdeu o pai com apenas oito anos e assim, precocemente, viu-se diante da necessidade de arranjar um serviço para ajudar a mãe no sustento da casa e dos filhos – eram apenas ele e uma irmã. Sua filha Marina relembra emocionada dessa infância quase roubada pelas vicissitudes: “ele contava ter começado a trabalhar num bar, aprendeu a fazer salgado e sorvete. Minha avó costurava e lavava roupa para fora”.

Daí para a frente, o tempo de Gerson foi de plena dedicação ao trabalho. Com o segundo casamento materno, vieram outros três irmãos que, futuramente, ele também veio a dar suporte para criar, após o sumiço do padrasto. E sempre seguiu assim: família em primeiro lugar. “Não existia pessoa mais desprendida de recursos financeiros e patrimônio, nada era pensado somente para ele, mas para agradar a todos”, reforça.

Fez questão de proporcionar estudos aos dois filhos, Marina e Guilherme, já que, ele mesmo, só conseguiu completar o ensino secundário com um curso supletivo, bem depois dos 20 anos. Além de conhecimento, as aulas noturnas lhe renderam um namoro com a professora de Matemática, Maria das Graças, com quem se casou pouco tempo depois.

Versátil e batalhador, fez de tudo um pouco para se estabelecer na vida: trabalhou em lanchonete, teve supermercado, deu aulas, prestou serviço na prefeitura, pintou letreiros comerciais, até que montou a própria serigrafia, mantida ainda sob os cuidados da esposa.

As artes manuais, no entanto, já eram um talento em Gerson. Ele gostava de desenhar retratos humanos e, por vezes, usava os filhos e familiares como modelos vivos. “Punha a gente na frente e ficava desenhando”, conta Marina. Era ligado à natureza – quando mais novo, percorria muitos quilômetros em estrada de terra para praticar o gosto pela pesca em algum rio da região, e se dedicava a pintar quadros com essa temática. “Era um artista, estou aqui olhando para uma obra dele”, relata a filha.

Com uma caligrafia impecável, que chamava a atenção até nas folhas de cheque assinadas para algum pagamento, Gerson endereçava de forma artística os destinatários em convites de casamento, formatura, aniversário, sempre a pedido de seus amigos. Fazia por prazer, com capricho e boa vontade. A letra rebuscada e bem-torneada ficou marcada inclusive no livrinho de nascimento do primeiro neto, preenchido a mão. “Agora quem vai continuar a escrever sou eu”, lamenta-se Marina. “Mas meus filhos vão ver o carinho e cuidado que o avô tinha com eles.”

Cuidado, aliás, que não parava por aí. Calmo e paciente, Gerson dava colo para os netos – Miguel, João Lucas, Leonora e Isabela – como ninguém, desde quando eram bebês, nas horas de choro por cólica, dor ou qualquer outro mal-estar. Ficava horas com a criança nos braços até que se tranquilizasse e pegasse no sono.

De temperamento equilibrado, na descrição da filha, “ele era um cavalheiro, elegante, muito fino ao falar, nunca ouvi meu pai alterar a voz”. Seu sorriso sincero, o olhar doce e a voz suave transmitiam paz a quem o rodeava.

Agora é Marina quem expressa com doçura e amor: “Meu pai, você lutou bravamente, foi um herói, mas agora chegou o momento de descansar nos braços do Pai. Um dia nos reencontraremos e isso muito me fortalece. Aproveite o paraíso, meu grande amor, você merece! Te amo infinito".

Gerson nasceu em Itauçu (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Gerson, Marina Bispo Pereira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Walker Barros Dantas Paniágua e moderado por Rayane Urani em 15 de agosto de 2021.