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Gerudes Martins Garcia

1936 - 2020

Brincalhão e conversador, só se irritava se o Corinthians perdia. Fazia o melhor arroz e sabia ser solidário.

Gerudes era um homem brincalhão, conversador, ingênuo... Gostava de puxar o cabelo das pessoas como uma forma singela de brincadeira. "Sempre ao adentrar em algum lugar, dizia alegremente: 'Oi é breque de boi!'", conta sua filha Helena.

Teve uma juventude desafiadora. Aos 16 anos, seu pai foi embora de casa, deixando sozinhos os seis filhos e a esposa. Como primogênito, tomou para si a responsabilidade de cuidar de todos. Começou a trabalhar como office-boy, na prefeitura da cidade, e com o salário, levava os irmãos menores ao dentista e comprava cadernos e livros para que pudessem estudar.

Foi subindo na carreira e chegou ao cargo de gerente da SAE (a companhia de saneamento da cidade). Casou-se aos 30 anos com Ester, uma professora, e com ela teve seus três filhos. Gerudes seguiu trabalhando arduamente para oferecer conforto e bem-estar para a família.

"Ninguém fazia arroz branco melhor que ele, que adorava contar a sua receita", lembra Helena. Ela também conta que pouco via o pai irritado — só quando o seu time do coração perdia. Gerudes era Corinthians, um fiel corintiano.

Caminhava todos os dias, parando para conversar com as pessoas, sempre nos mesmos locais da cidade que tanto gostava. Com os netos, fazia o mesmo: pelas manhãs, passeava por horas com eles em seu colo. "Ia à pracinha, passeava de charrete, sempre brincando de 'upa lelê'", diz a filha.

Helena se recorda de uma história que a marcou para a vida toda. Aconteceu quando ela estava com 8 anos. O pai havia acabado de comprar um carro zero, "uma Belina dourada, toda bonita". A família estava fazendo um passeio até uma cidade próxima, para estrear o veículo. Na estrada, avistaram um acidente. Gerudes parou o carro, colocou nele duas pessoas ensanguentadas e as levou para o hospital. Quando voltou, a filha quis saber porquê ele havia sujado o carro novinho e ele respondeu apenas: "Isso é sem importância. A vida dessas pessoas é o que importa. Amanhã poderemos ser nós que precisaremos de uma ajuda".

Até hoje, cada vez que Helena está ajudando alguém "até com uma simples dúvida, na rua" é do pai, e desse acontecimento, que ela se lembra. E irá se lembrar para sempre!

Gerudes nasceu em Pereira Barreto (SP) e faleceu em Jundiaí (SP), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Gerudes, Helena Martins Garcia. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Mayza Gabriele de Melo Rosa, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 18 de agosto de 2020.