1949 - 2020
Só levava a filha e amigas à balada se antes elas cantassem o hino do Santos.
Começou a vida na roça, em uma família de nove filhos. Tirou o sustento da terra até os 20 anos. Mas a necessidade de trabalhar desde cedo não impediu que ele curtisse muito a vida. Antes de se casar, Getúlio, o Gegê, aprontava. Descia para Santos escondido da mãe, aproveitava a praia e as partidas do time do coração. A filha, Milena, conta que é santista porque o pai não lhe deu outra opção. Em dias de jogo, a pressão do torcedor apaixonado até subia, ele chegava a ficar vermelho. "Ele era meu melhor amigo e tornou-se amigo das minhas amigas também."
Getúlio também contava que na juventude o time de futsal em que jogava se envolvia em muitas brigas. O motivo: eram bons de bola, o que revoltava as equipes adversárias, que sempre perdiam deles.
A vida mudou quando ele conheceu Ruth por intermédio de amigos em comum. Ele, que já tinha 32 anos quando se casou, passou a ver beleza em ficar em casa. Gostava mesmo era da própria cama, de sua TV, de ver filmes e de dividir tudo isso com a esposa. Fazia de tudo por Ruth, incluindo os afazeres domésticos, e toda quarta-feira ia à padaria comprar o sonho de que ela gostava.
Ruth trouxe outra paixão para Gegê, o filho que já tinha, Luciano, de quem Getúlio tornou-se pai. Um ano depois, Milena chegou para completar a família.
Conquistou uma clientela fiel como taxista. O público variava entre senhorinhas que ele levava ao médico e ajudava em outros afazeres a crianças que transportava para a escola. A relação de trabalho ia além; as clientes faziam amizade até com a esposa de Getúlio, e ele sabia detalhes sobre a vida das clientes fiéis.
Era imbatível na cozinha. Quando a esposa chegava em casa, tinha uma comida caprichada esperando. Tudo que ele fazia era uma delícia, mas a feijoada e o torresmo eram sensacionais. "Nunca mais comemos igual", conta Milena.
Não deixou a filha ter cachorro na infância, mas quando ela se casou e arrumou um, apaixonou-se pelo cão, o Zeca. Ficava pedindo a companhia do bichinho de estimação dela.
O sonho de Getúlio era ser avô, e esse sonho foi realizado com todas as corujices a que tinha direito. "Ele aproveitou cada segundo dos seis meses que teve com minha filha Analu. Chorou de emoção quando ela nasceu. Eu tinha que mandar mensagem o dia todo com fotos dela. Me ajudou no começo do puerpério, cuidava dela. Mesmo ela chorando, falava que era muito boazinha. Ele era o melhor vô do mundo!", conta Milena.
Do início da vida aos seus últimos dias, Gegê foi muito conectado à mãe, Antônia. Ela partiu aos 100 anos, doze dias antes do filho, também vítima do novo coronavírus. Getúlio visitava dona Antônia dia sim, dia não, para tomar café com ela. Os dois eram vizinhos. Desde que teve uma queda, ela passou a contar com os cuidados de Gegê e da nora Ruth.
A filha aproveita o tributo para fazer mais uma declaração de amor: "Ele era meu herói e meu melhor amigo, vivia por mim e eu sabia disso". Por toda vida que levou intensamente, viverá para sempre na memória de quem o conheceu.
Getúlio nasceu em Tambaú (SP) e faleceu em Campinas (SP), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Getúlio, Milena Lopes Lupino. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 11 de fevereiro de 2022.