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Giancarlo Dandolo

1971 - 2021

Tinha mil e uma habilidades; no entanto, a que mais lhe dava orgulho era servir a Deus, de todo o seu coração.

Gian impressionava a todos por sua inteligência e pela paz que transmitia em seu convívio. De natureza observadora, preferia demonstrar sua sabedoria por meio de ações, embora ao se expressar verbalmente tivesse sempre um bom conselho a oferecer. Extremamente interessado em aprender cada vez mais, ao longo da vida, desenvolveu mil e uma habilidades: faixa preta de karatê; professor de fanfarra; ex-jogador de vôlei pelo time de Vinhedo; surfista; artesão; e baterista sem igual, sendo membro de diversas bandas de rock na juventude.

Em meio a inúmeros compromissos, Gian conheceu o grande amor da sua vida ainda no colegial. Fabiana, recém-chegada de Santo André, logo chamou a atenção dele, que, além de aluno, era o professor de fanfarra da escola. No dia 5/10/1990, veio o pedido de namoro. A partir dali a vida dos dois se entrelaçou por trinta e um anos, sendo oito de namoro e vinte e três de casamento.

Inseparáveis, eram companheiros de trabalho, de vida e de alma, em uma união marcada pela intensidade. "Descrevo meu marido como sendo uma pessoa extremamente carinhosa, levava café na cama para mim praticamente todos os sábados. Gian era a calmaria; eu, o furacão. Com o seu jeito sossegado, ele transformava os meus dias agitados em paz enquanto eu trazia movimento para a sua vida", conta a esposa Fabiana.

O esforço dos dois, fez com que o sonho da casa própria fosse realizado antes mesmo do matrimônio. A partir dali, foram dia após dia buscando juntos a realização de seus sonhos, onde até nos momentos de discordâncias entre o casal, os princípios e prioridades tinham como enfoque o bem-estar familiar.

Do amor entre os dois, vieram Gianlucca, chamado carinhosamente de Cuca, e Giovanna, a Gigi. Pai excepcional e sempre disposto, dedicou-se a ensinar boa parte de suas habilidades aos seus: foram inúmeros jogos de vôlei em família; incontáveis ondas surfadas, onde junto ao mar, formavam uma bonita conexão entre pai e filhos; além do talento musical, em que, por incentivo dele, a filha aprendeu a tocar violão e o filho, piano.

De hábitos simples: se tivesse pão e água para Giancarlo estava tudo bem; o importante era o contentamento dos filhos e da esposa, enfatizando sempre que a família eram os quatro. Ao lado deles, sonhava com a oportunidade de morar à beira-mar ou na Itália, país que lhe trazia pertencimento e aconchego.

Com a parceria da esposa, trabalhou por quinze anos em uma franquia de produtos nutricionais. Como sempre, eram o complemento perfeito um do outro: Fabiana apresentava as ideias, Gian as executava, impecavelmente. Entretanto, volta e meia, também trazia excelentes sugestões para os negócios. Inclusive, foi ele quem propôs levar o espaço de trabalho para dentro de casa, de modo a oferecer uma maior comodidade aos clientes.

Desde 2019, Giancarlo atuava em uma multinacional de consultoria em materiais sólidos. Radiante pela oportunidade, dizia que se sentia em casa ao lado dos colegas, sonhando em mudar-se com a família para o exterior por intermédio dessa empresa.

Diácono devotado à Igreja Ortodoxa Russa em São Paulo, entidade em que sua avó foi uma das fundadoras, vivia para Deus, repetindo inúmeras vezes que Ele era a sua grande prioridade. Mesmo com mais de cem quilômetros entre a igreja e a cidade em que morava com a família, não havia dificuldades que lhe impedissem de aos finais de semana servir ao Senhor: "Gian dizia que sua maior preocupação era a salvação de sua alma e a de pessoas próximas. Durante o nosso casamento, seu único pedido foi que nossos filhos fossem ortodoxos, ensinando-os toda a base religiosa da Ortodoxia Russa. O amor que ele dedicava à Igreja, fez com que eu também me tornasse ortodoxa", conta Fabiana.

A esposa ainda completa: "Seu maior sonho era se tornar Padre Ortodoxo, função que na Ortodoxia Russa pode ser exercida por homens casados, e sempre externava o desejo de construir uma Igreja em honra a São João de Kronstadt, seu Santo Protetor. Além disso, tinha muita vontade de viajar à Rússia e de retornar à Jerusalém, desta vez, ao lado de nossa família, pois, dizia que todo cristão deveria conhecer esse local Santo".

Definitivamente, seu amor a Deus estava acima de todas as coisas, tanto que, durante sua internação, todos que foram contagiados por sua fé de algum modo, fizeram incontáveis preces em sua intenção. "Durante a estadia do meu marido no hospital, ao meio-dia, eram realizadas correntes de oração em igrejas do Brasil, da Rússia, da Grécia, de Jerusalém, da Itália e dos Estados Unidos, com inúmeras intenções para que ele se curasse. Em meio à internação, pedi para que Nossa Senhora intercedesse por sua vida. Nesse momento, a imagem da Pietá de Michelangelo me veio à mente, escultura que conhecemos em nossa ida ao Vaticano. A recordação dessa viagem e de como nossa família estava feliz por estar reunida, me trouxe um conforto momentâneo. Naquela noite, o Gian faleceu, mas tive a certeza de que Nossa Senhora o acolheu em seus braços e o levou até Jesus", recorda Fabiana, que complementa "Ele já não era deste mundo"!

Em vida, Gian sempre falava que Deus permite que os falecidos apareçam em sonhos de amigos e dos familiares para acalentar os corações e trazer mensagens importantes, o que faz com que a esposa guarde com muito carinho a recordação da primeira vez que sonhou com ele após sua partida: "Durante o meu sonho, Giancarlo me tirava para dançar e nós dois flutuávamos, olhando bem firme nos olhos um do outro. Muita gente sonha com ele nos Estados Unidos, no Canadá e na Rússia. Inclusive, ele apareceu em um sonho de uma paroquiana dizendo que foi incumbido de rezar pelo território russo".

Com uma passagem curta e larga, como a esposa refere-se a vida de Giancarlo, realizou todos os seus anseios como se tivesse vivido cem anos e ensinou lições valorosas e cumpriu sua missão de forma honrosa: o seu coração era tão repleto de bondade, cheio de amor e respeito, que não lhe permitia falar ou fazer qualquer tipo de mal de alguém. Para o filho, foi exemplo da mais pura generosidade. Para a filha, a recordação mais bonita e inesquecível que paira sobre o seu coração. Para a esposa, o amor verdadeiro que dá existência a todo o seu ser. Já para o mundo, Gian foi aquele que quanto mais amava a Deus, mais luz retribuía a todos ao seu redor.

Giancarlo nasceu em Vinhedo (SP) e faleceu em Valinhos (SP), aos 50 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Giancarlo, Fabiana Saba Pellicciotta Dandolo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Andressa Vieira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 17 de abril de 2022.