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Gildo Batista dos Santos

1953 - 2020

Sem disfarces, sua transparência no jeito de ser cativou respeito, carinho e admiração em muitos corações.

O modo de ser natural e simples de ‘Modesto’ era um convite para chegar e querer ficar mais um pouco na companhia dele. A definição desse adjetivo pelo qual Gildo foi carinhosamente conhecido fez jus a quem era: despretensioso, sem vaidade diante da vida.

Era essa a essência que existiu por trás do flamenguista apaixonado que não dispensava uma gelada todo domingo, em endereço fixo e companhias certas: no mesmo bar com os amigos. Conduzia a rotina de forma satisfatória, pois gostava de manter hábitos que faziam perdurar o que construiu ao longo da vida. Exemplo disso foi o ofício como mecânico, que exerceu durante décadas no mesmo local. Nas palavras de seu patrão, Gildo era um “ótimo funcionário e, ao longo dos vinte anos na empresa, foi reconhecido pela qualidade dos seus serviços, além de amar o que fazia.”

Preservava não só os relacionamentos profissionais, mas, principalmente, os amorosos que vivenciou por duas vezes em períodos curtos ─ que resultaram em dois filhos e uma filha. Sempre fez questão de manter a amizade com as ex-companheiras, porque, apesar de ser naturalmente desapegado e gostar de priorizar sua liberdade, sempre foi sensível às necessidades dos outros.

Ao relembrar de sua infância, Carine, a filha caçula, retrata bem esse interesse e dedicação do pai em zelar por um ambiente de amor e convivência independente das escolhas feitas: “Minha mãe é um ótimo exemplo, eles se separaram quando eu tinha 3 anos, mas sempre foram muito amigos. Ele sempre ia lá em casa aos domingos de manhã para me acordar, levar as roupas para bater na máquina e tomar café.”

Dono de particularidades que o identificavam tão bem, Modesto era facilmente reconhecido pelo boné que sempre o acompanhava, não importava dia, lugar e hora. Uma frase que não saía de sua boca era: “De onde tira que não bota, só acaba”. Era desses que encontravam um jeitinho pra tudo, tentando consertar qualquer coisa que aparecesse pela frente.

Tinha um apetite descontrolado quando o assunto era bolo, capaz de comer um inteiro de uma só vez. Aliás, quando se tratava de alimentação balanceada, Gildo foi protagonista de episódios não muito saudáveis, porém cômicos com a filha. Carine não esquece de um certo café da manhã que deixaria muita criança desejosa, e que o pai ─ despreocupado como sempre foi ─ deu a ela numa das vezes que havia ido dormir na casa dele: Coca-Cola e bolacha recheada.

Histórias divertidas como essa, Carine coleciona aos montes, guardadas com muito carinho e saudade. Descrevendo o pai como uma figura icônica, ela conta que, uma certa vez, ao quebrar o pé e telefonar ao pai pedindo que fosse até o hospital, ele apareceu de carona em um fusca velho com o fundo do carro cheio de galinhas. Ela lembra aos risos quanto aquela cena a deixou sem saber se chorava de dor ou se caía na gargalhada ao ver seu pai chegando naquela situação.

Modesto foi essa figura espontânea, engraçada, de uma criatividade que impressionava e de uma existência marcante. A Câmara Municipal da pequena Ipiaú, cidade onde morava, reconheceu esse ilustre cidadão e concedeu a ele uma moção de pesar, homenagem dada a quem construiu uma trajetória notável no meio em que vivia.

O frescor de seu sorriso, sua jovialidade e disposição para com a vida jamais serão esquecidos!

Gildo nasceu em Iguaí (BA) e faleceu em Ilhéus (BA), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Gildo, Carine Cerqueira dos Santos. Este tributo foi apurado por Júllia Cássia, editado por Júllia Cássia, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 11 de dezembro de 2020.