1957 - 2020
Pense no sol de Salvador. Pensou? Ainda mais pontual, quentinho e radiante era o “bom dia” de seu Gilson.
Na Bahia, quando se quer atribuir valor às marcas da personalidade de alguém, principalmente o bom humor e a autenticidade, diz-se que “fulano é uma onda, viu?”. Mas o soteropolitano Gilson, muito além das figuras de linguagem, também fazia jus ao adjetivo quando ia em seu barco apreciar aquilo que para ele era o que existia de mais belo: o mar e tudo que nele habita. Ele era mesmo uma onda; daquelas que fazem valer a ida ao mar.
Todo primeiro dia do ano o carinhosamente apelidado de “Gica” ou “Bicô” acompanhava a procissão do Bom Jesus dos Navegantes na Baía de Todos-os-Santos; o que, além de ser reflexo de sua imensa fé, era um bom motivo para estar no mar. E quando não havia data especial era muito fácil de resolver: inventava-se. E assim, como num “passe de Gilson”, qualquer data era uma maravilhosa oportunidade de ir passear com a família na Ilha de Maré, pescar com o filho Weidson - sua xerox -, colocar um “a” na frente do “mar” e simplesmente amar tudo aquilo. Amor que não acabava ali. Aliás, ali, naquele mar, era que começava!
Na cozinha o amor ganhava outros temperos além do sal do mar. O carinho para com os que Gilson amava estava sempre presente nas iguarias, das quais ele fazia questão de sempre ensinar o modo de preparo; como se isso já fosse uma preparação para quando ele não estivesse mais ali... E que preparação! Do mestre-cuca vinha os melhores conselhos. Bastava telefonar e esperar a resposta certeira de quem sempre sabia sobre os tantos, os comos e os quandos. Não só das receitas, mas também da vida.
O baiano trabalhou por anos com construção civil, em várias partes do Brasil, mas passou os últimos anos de sua vida vibrando com as conquistas de Cristiano, seu parceiro-sobrinho, na empresa que tinham. Mesmo com a notícia da tão sonhada aposentadoria, recebida na semana de seu falecimento, os planos não paravam. O sócio-torcedor mais apaixonado do Esporte Clube Bahia estava tomando todos os cuidados possíveis durante a pandemia para finalmente poder morar perto de sua filha Erica, de quem queria aproveitar a companhia. Não deu tempo. Ele se foi como uma onda, que agita o mar pra depois o acalmar.
"É muita coisa pra ser dita, muita coisa que eu quero que todos saibam... mas nem sempre a gente consegue...", diz Erica sobre a história do pai. “Fica em paz”, finaliza com o que, além de ser um pedido ao pai, é também a afirmação de que ele não se foi. Ele fica. Fica na paz que se sente quando seu nome é citado, nas ondas do mar que trazem para perto a saudade e na sua alegria que até hoje reverbera entre os seis irmãos, cinco irmãs, filhos e netos. Se engana quem pensa que o “bora baêa!” da torcida ficou mais fraco; agora ele é bradado de lá do céu e ecoa pelo mundo.
Gilson nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Gilson, Erica Oliveira de Jesus. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Irion Martins, revisado por Didi Ribeiro e moderado por Rayane Urani em 10 de junho de 2020.