Sobre o Inumeráveis

Giovanni Lioi

1942 - 2021

O jardineiro italiano que plantou amor e flores no Brasil.

Giovanni saiu da Itália aos 15 anos em busca de uma vida melhor junto à mãe, Maria Caterina, e os irmãos Tommaso e gêmea dele, Rosa. O ano era 1958 e o país estava na miséria por causa do pós-guerra. O pai, Francesco, e outros parentes esperavam por eles no Brasil.

Chegou em um dia e no seguinte começou a trabalhar com jardinagem, ofício pelo qual era apaixonado e exerceu durante toda vida. Começou a profissão com o tio Rafaele Lioi. Depois trabalhou um período com o irmão Tommaso e, anos mais tarde, o filho Vicente foi seu colega de lida e fiel escudeiro.

O garoto tinha tanto orgulho do pai que queria passar mais tempo com ele. Por isso, desde menino acompanhava Giovanni nos jardins.

Foi cultivando flores que conquistou tudo na vida. Bem jovem, graças ao trabalho duro, construiu a casa própria antes mesmo de ter alguém com quem se casar. Mas a grande motivação para a construção foi ter um lugar seu para constituir a própria família.

Antes do matrimônio, no lar de Giovanni, conhecido como Della Casa (devido ao nome da rua em que se encontrava) sempre cabia mais um. Tios, amigos, primos e todo mundo que precisasse encontravam a porta da residência e o coração de Giovanni sempre abertos. Aos domingos, era dia de assistir à luta livre, na Della Casa. Maria Caterina, mãe de Giovanni, amava.

Viver longe da terra natal exigia trabalho árduo. Não havia muito tempo para distração. “O divertimento, naquele tempo, era conseguir estar com a família reunida. Eles eram felizes com pouco, com o simples. Era muita gente na casa e apenas um banheiro, nunca deu briga”, conta a filha Maria Caterina, a Caty.

Nas brechas do trabalho, jogava baralho italiano com o irmão e os colegas de jardim, hábito que persistiu a vida toda. Depois que se aposentou, os companheiros de partida eram o amigo Francesco e o cunhado Mário.

Além dos parentes, tinha muitos amigos, vários italianos. Não havia ninguém que não gostasse de Giovanni. O jardineiro era amoroso com todos, nunca passou por cima de ninguém. E mesmo com todas as dificuldades que a família passou, o prisma através do qual enxergava tudo era parecido com o do filme “A vida é bela”. Ele apreciava cada momento, encantava-se fácil. Por isso, acordava antes do sol para ver o dia nascer e logo saía para trabalhar. Amava o mundo verde, especialmente espada-de-são-jorge, árvore-da-felicidade, samambaias...

Aos 26 anos, ele se apaixonou. Observava a sua futura esposa sair do trabalho. Em um dia chuvoso, não se conteve e correu para baixo da sombrinha de Angela, foi até a porta da casa da moça. Declarou seu amor e ela pediu um tempo para pensar. Disse sim e, desde essa resposta, compartilharam toda vida. Os dois eram primos de segundo grau, mas a aproximação só aconteceu no Brasil, na Itália não chegaram a conviver.

Eles tiveram três filhos: Maria Caterina, Vicente e Francisco (in memoriam, também vítima da Covid-19). Eram o grande orgulho de Giovanni, ficava muito feliz de ter dado o nome da mãe à filha.

Caty conta que o pai vivia para eles. Lutava muito para oferecer o melhor para os filhos e estava sempre junto. Quando perguntavam qual o segredo de uma família tão unida, ele respondia: “L’amore”. A filha retribuiu tudo que recebeu do pai em forma de cuidado e carinho. "Às vezes, me sentia como a mãe dele de tanto que cuidei dele. Se pudesse, faria ainda mais", conta a filha.

O pai de Giovanni era seu maior ídolo. Francesco foi um bravo combatente da guerra e tinha uma trajetória marcada por desafios, mas nunca deixou de pensar na família como guia para reconstruir a vida quantas vezes fosse necessário.

Giovanni nutria tanto as raízes que Italiano era seu apelido. Sempre teve sotaque, amava ir ao Sul do Brasil, nas cidades que mantinham tradições da terra natal. Amava as músicas italianas, cantava, dançava, principalmente quando tocava a "Tarantella". Ele produziu o próprio vinho por anos, no quintal da Della Casa. O compadre, Francesco, deu vários conselhos sobre como deixar a bebida saborosa.

Amava dizer: “Chi beve vino campa cent’anni”.
Em português: “Quem bebe vinho vive 100 anos”.

Para acompanhar a bebida, a esposa fazia uma legítima pizza italiana. Giovanni fez uma produção especial de vinhos, junto ao filho Vicente, para o aniversário do primeiro neto, Giuliano. Os vinhos para celebrar o aniversário do neto tinham um rótulo especial, com uma dedicatória carinhosa. Aos outros cinco netos que ganhou depois ─ Giovanni, Marcello, Angelo, Francesco e Vicente, dedicava muito amor. Gostava de vê-los na mesa da Della Casa saboreando a deliciosa macarronada da nonna Angela. Amava ver o neto Giuliano ao piano, principalmente quando tocava as músicas italianas, como "O Sole Mio".

O orgulho pela família que formou era imenso. Tinha um carinho especial pelo genro Eurides e pela nora Andrea.

Teve a felicidade de retornar à terra natal em 2015 acompanhado da família, menos do filho Vicente e da nora Andrea, que estavam com criança pequena. Nos olhos de Giovanni e da esposa, a emoção transbordava. Ele e Angela não acreditavam que depois de tantas batalhas, reviviam a Itália. Conseguiram ver familiares que lá ficaram e até conhecer lugares em que não estiveram quando ainda morava lá. O Vaticano foi um dos destinos. Alimentou a fé cristã católica de Giovanni, que amava ir a Aparecida do Norte e também de rezar no altar que o pai, Francesco, construiu na Della Casa.

Era o genro Eurides quem organizava as viagens para o Sul do país e Itália. A felicidade dos sogros transformava-se na felicidade dele.

O filho Francisco herdou a capacidade de reunir a família. Era ele quem organizava os encontros, arrumava mil e uma formas de estar com todos. Quando o filho partiu, Giovanni começou a definhar. O Italiano afirmava que não conseguia viver sem Francisco. Antes, ele não tinha problemas de saúde, era cuidadoso, fazia os exames necessários.

Nas várias idas ao hospital, foi contaminado e, após nove meses da partida do tão querido filho, foi ao encontro de Francisco. Para conhecer mais da história do filho de Giovanni, visite o memorial de Francisco Antonio Lioi.

“Depois que meu irmão morreu, eu sentia que meu pai não queria mais ficar aqui. Ele viveu por amor e morreu pelo mesmo motivo: l’amore”, explica Caty.

A filha conta que imagina o Céu como um lugar florido. Lá Giovanni está com seu dedo verde, cuidando de cada flor e emanando a luz que faz nascer o que há de melhor em cada espírito.

Ela finaliza: “Da forma que ele viveu neste mundo, com muito amor, também foi recebido lá no Céu, pois ele só plantou amor”.

Giovanni nasceu em Rofrano (Itália) e faleceu em São Paulo (SP), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Giovanni, Maria Caterina Lioi. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Lícia Zanol e moderado por Lígia Franzin em 31 de março de 2021.