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Guilhermina Conrado Alexandre

1931 - 2021

Amava pescar. Todo final de semana estavam na beira da represa com os filhos, ou com Zino, seu grande amor.

Um 'pinguinho de gente', sempre com saias longas e seus cabelos compridos em tranças presas num coque. Assim a neta Taís lembra da Vó Gui. "Ela era evangélica, muito ativa e não esqueço da imagem da vó usando seus longos penhoares."

É impossível falar de dona Guilhermina sem falar de seu Cizino, o amor da sua vida.

A filha Márcia apresenta a história dos pais: Guilhermina Conrado (Mina) e Cizino Alexandre (Zino) moravam na mesma colônia - uma área onde ficavam as casas de todos os trabalhadores da fazenda. Corajosos e conduzidos pelo amor que sentiam, enfrentaram a oposição dos pais à união e no dia 01 de janeiro de 1948 fugiram da fazenda para a cidade de Rubiácea. Dois dias depois se casaram e foram acolhidos pela irmã mais velha de Mina.

No ano seguinte tiveram sua primogênita e em 1951 foram morar na cidade de Santo André (SP). Taís conta que a avó era devotada ao esposo e eles formavam uma linda dupla. Muito acolhedores, recebiam todos os parentes que vinham do interior. Quem precisasse podia morar na casinha, nos fundos do quintal, até conseguir trabalho e poder alugar ou comprar sua própria moradia.

Da bela e longa união vieram os cinco filhos: Irene, Ismael, Vilma, Maria e Márcia. Os genros Geraldo e Alberto e a nora Cleide somaram à família, que ficou alegre com as novas gerações. Rogério, Denise, Reginaldo, Taís, Lisa, Rafael, Evandro e André eram os amados netos e eles ainda ganharam cinco bisnetos: Heloísa, Henrique, Alice, Manuela e Olívia.

Mina e Zino estiveram juntos por mais de setenta e dois anos, até que a morte os separou, conforme juraram. Devido a complicações provocadas pelo Alzheimer, Zino partiu em julho de 2020, aos 92 anos, deixando sua amada muito entristecida. Afinal, sempre estiveram juntos e a profissão de Mina foi cuidar dos filhos, netos e marido.

Dona Gui, Vó Gui ou Mina adorava receber a visita da família. Ela tinha o hábito de perguntar a cada um como estava e sua maior alegria era preparar a comida para receber todos em um almoço. "Minha avó tinha um prato típico que adorava fazer e nós, comer! Era um macarrão com extrato de tomate. A massa era tipo um canudinho, ou seja como se fosse um espaguete com furinho no centro - um bucatini com molho de tomate! Todos adoravam este macarrão. A dificuldade era sugar, por ser furado", relembra Taís com humor e saudade.

Dona Guilhermina sempre se preocupava muito com os filhos e netos. É o filho Ismael que conta dois episódios que o marcaram, entre tantos outros, do zelo e amor da mãe. "Eu era jovem e saí com meu primo Arnaldo. Passamos o dia fora, pois fomos fazer compras em São Paulo para a loja dele. Ao chegar em casa, minha mãe ficou brava por ficar o dia todo sem notícias e prometeu daquele dia em diante não mais me acordar para o trabalho. Tive então que arrumar um despertador. Alguns meses depois, ela confessou que todas as manhãs acordava, ficava escutando só pra ver se eu levantava. E só então voltava a dormir. Jamais esquecerei."

Ismael conta ainda que ela era firme, mas sem perder a ternura. Quando ele era criança, costumava pescar num rio próximo de casa junto com os amigos. Certa vez, pescaram e colocaram os peixes numa lata encontrada na beira do rio. Ao chegar em casa, fizeram uma pequena fogueira com tijolos no quintal, como de costume, para fritar os peixes. Dona Gui, sempre atenta e observadora, neste dia evitou uma tragédia. Ao passar pelos meninos enquanto preparavam a fritura, percebeu que os peixes já estavam mortos e com os olhos completamente brancos. Ela indagou sobre a lata que encontraram, pois não sabia ler e, para a surpresa deles, era uma lata de veneno para formigas.

A pescaria era uma paixão de família. Ela e Zino sempre amaram pescar. Na visão nostálgica da neta, a avó "era uma pescadora raiz, que ficava com sua varinha na beira da represa, muitas vezes com a água batendo alto nas suas pernas".

Mina gostava de carne com osso, pois amava ficar roendo até o finzinho. Outro prazer era comer toda a raspinha das panelas antes de lavar a louça. Graças ao bom Deus, pelas palavras da família, tinha boa saúde, e na última consulta com a geriatra, a médica disse que o exame da dona Guilhermina parecia o de uma mocinha.

Depois da partida de Zino, os dias sem seu amado, foram muito difíceis para Mina, até ser internada em decorrência da COVID. Sendo Dona Gui, Vó Gui ou Mina, suas marcas registradas eram a gentileza, o carinho, a tranquilidade e a pró atividade. Taís diz que no dia 17 de dezembro, fez uma chamada de vídeo para dar parabéns pelo aniversário da avó e mostrar seu apartamento, onde mora nos Estados Unidos. Conta que conversaram bastante e que, incrivelmente viu a avó animada e feliz naquele dia. A neta se despede lamentando a enorme saudade: "ainda dói muito, mas certamente se transformará em lembranças inesquecíveis. Como por exemplo as da infância e da vó cuidando dos meus cabelos crespos. Eu pegava muito piolho na escola e não esqueço da nítida imagem e da gostosa sensação de carinho: eu sentada no chão do quintal da casa dela, ela na cadeira e com toda paciência do mundo passava pente fino no meu cabelo limpando tudo. Sempre lembraremos de você, Vó Gui."

Dona Guilhermina jogou o anzol e a vida lhe trouxe um grande amor, uma linda família e viveu para eles.

Guilhermina nasceu em Rubiácea (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 89 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Guilhermina, Taís Nunes Alexandre. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Denise Pereira, revisado por Sandra Maia e moderado por Rayane Urani em 28 de maio de 2021.