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Gustavo Marins Reeve

1976 - 2021

Seu temperamento expansivo e agregador unia e reunia; gostava mesmo era de gente à sua volta.

Desde moleque, as festas de aniversário de Gustavo eram cobiçadas pela turma. Ele dizia: “mãe, são só os ‘mais íntimos’”. E lá se preparava dona Claudete para receber as dezenas de amigos que o garoto convidava da escola inteira. Com o tempo, ela havia se habituado à personalidade alegre e sociável do filho. “Gustavo tinha amizade com todas as tribos, com a galera de todas as classes, com as equipes do futebol”, lembra com graça a irmã Juliana. Inclusivo e apaziguador por essência, fazia da união uma prática: entre amigos, familiares, colegas do esporte. “Nas tretas, era o elo e trazia todo mundo junto de novo”. Dessa mesma época veio o apelido de “Tchola”, criado por brincadeira por um inspetor de alunos do colégio mais tradicional de Resende, no interior fluminense. “A cidade inteira o chamava assim”, comenta Juliana.

Pensar no coletivo não era para Gustavo apenas uma atitude de convívio social. Inspirado no posicionamento político do pai e em toda a afinidade pessoal e intelectual que nutria com seu Carlos Henrique, um bancário que fez da própria biblioteca sua fonte de conhecimento, o rapaz engajou-se com o partido de visão socialista fundado pelo líder Leonel Brizola, a quem também admirava nessa esfera. Com a filiação partidária, adotava uma postura politicamente ativa, chegando a se candidatar a vereador. Marcava-se como um defensor de políticas públicas e justiça social. A irmã reforça: “Ele era muito equilibrado e respeitado mesmo por quem tinha opiniões políticas divergentes. Quando ele morreu, alguns escreveram nas redes sociais: ‘vou sentir saudade de brigar com você’”. Pessoalmente, ajudava financeiramente instituições de atendimento a crianças com deficiência e abrigos de acolhimento de animais abandonados.

O apego aos bichos talvez viesse da rotina de trabalho. Gustavo era sócio de um pet shop. Ao lado do cunhado na empreitada, usou seu tino para a administração e a facilidade de relacionamento com os clientes e fez o negócio prosperar, inclusive patrocinando eventos do município.

Pleno de energia e vivacidade, Gustavo construiu uma vida familiar também harmoniosa. O jovem ciumento com as irmãs Juliana e Georgia e galanteador com as mocinhas deu lugar ao marido companheiro e amoroso para Fabiana, uma colega dos tempos de infância escolar. O namoro de uma década fortaleceu laços, planos, sonhos e fez nascer lindamente as gêmeas Marina e Manuela. A cumplicidade do casal ressaltou em Gustavo o jeito cuidadoso e dedicado com as filhas. “Com a rotina puxada e de plantões da mulher, o Gustavo foi pai e mãe: fazia os coques de bailarina e levava as meninas no balé, vestia fantasia, tinha paixão por elas”, descreve a irmã caçula. Na relação com a esposa, de plena integração, ela o define como seu “ponto de equilíbrio”. O perfil espirituoso, assertivo e às vezes sarcasticamente inteligente de Gustavo freava e provocava nela opiniões menos radicais. Com os outros também era assim. Não à toa tornou-se o ícone do afilhado e sobrinho Arthur. Gustavo encantava facilmente as pessoas com quem interagia.

No grupo do futebol, por exemplo, com companheiros de time ainda da adolescência, organizava a “partida da virada”, sempre no último domingo do ano. Com o pôquer não foi diferente. Criou um campeonato institucionalizado na cidade que acabou ganhando um troféu em sua homenagem: “Gustavo Tchola”. Como sócio-torcedor do Flamengo, chegou a receber um vídeo personalizado do ex-jogador Zico dando-lhe vibração para superar a doença.

Durante o isolamento da pandemia, marcou presença em família com vídeos e telefonemas diários para a mãe.

Nas palavras afetuosas e saudosas da irmã, Gustavo viveu intensamente tudo o que desejou, desde a mais tenra idade: “Viajou para onde queria, foi aos shows que queria, aproveitou a família, os amigos, a esposa, as filhas. Viveu para ele mesmo, porque também conseguia se colocar como prioridade, como se soubesse que sua vida seria curta demais”.

Gustavo nasceu em Resende (RJ) e faleceu em Resende (RJ), aos 45 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Gustavo, Juliana Marins Reeve. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 25 de julho de 2023.