1945 - 2020
Amava uma laranja: sentava na mesa depois de almoçar e ficava lá descascando a fruta e proseando.
Haroldo era conhecido como bigode porque ostentava acima do sorriso um bigode bem bonitinho. Já a esposa o chamava “Lôro”, mesmo sem ele ser loiro. Seus cabelos estavam sempre pretos, pois vaidoso como era não deixava nem um cabelo grisalho aparecer, sempre pintava.
E ele chamava a esposa, Izabel, de Bezinha ou Bé, além de "Meu Tesouro". Quando ia deixá-la nas sessões de hemodiálise, falava para as enfermeiras cuidarem bem do tesourinho dele, e até hoje as enfermeiras chamam Izabel de tesouro. Cuidava muito bem da esposa, que tinha amiloidose. Até internado conversava com os enfermeiros sobre ela, que como ele dizia era o amor de sua vida, e sobre a linda família que construiu. Os dois completaram sessenta anos de casados, sessenta anos de Lôro e Bezinha.
Quando via que alguém estava chegando a sua casa, corria para o banheiro para arrumar o cabelo e passar perfume. Ao pentear o cabelo fazia um bico com a boca, na frente do espelho. Haroldo tinha um radinho, que o acompanhava há bastante tempo; todo dia de manhã ligava o aparelho e ficava cantarolando junto.
Haroldo teve sete filhos, 15 netos e 11 bisnetos. A família era grande, pense! Era comerciante, dono de um bar. Trabalhava muito. Entre as suas peculiaridades estava o fato de ser muito higiênico, muito higiênico mesmo! Lôro cumprimentava a parentela toda dando dois tapinhas na cabeça.
Haroldo nunca gostou que a neta, Camila, namorasse, como ela conta: “Para ele eu era sempre uma criança. Era bravo também, quando precisava. Brigava com meu pai por ele aceitar que eu já estivesse namorando. Mas, tirando esse ciúme todo, meu vô foi um cara incrível; batalhou muito para criar os sete filhos. Toda vez que a gente ia visitar meu vô ele corria no mercado para comprar umas coisas gostosas, tipo refrigerante e sorvete. Ele fazia um franguinho em cubo que não tem igual, era uma delícia!"
Camila continua: "Amava meu cachorro Marley e o ensinou a comer frutas. Meu vô sempre comia banana. Lembro que na infância ele tinha um pé de café no quintal de casa e me oferecia formiga junto com o café da tarde, porque segundo ele fazia bem para a vista. E a vista dele era ótima, a ponto de nunca ter usado óculos”.
Lôro não era de sair muito, mas não era por isso que deixava de se fazer presente. Sempre ligava para os filhos, mandava beijo pelo telefone e perguntava pelas netas e netos. Queria todos bem. Nos aniversários, nenhum dos netos ficava sem o telefonema dele, que sempre começava com uma bênção.
A filha Silvana, conta que ele fazia conta de cabeça como ninguém. "Tinha uma memória muito boa. Eu admirava demais a inteligência dele. Achava ele todo engraçadinho. De manhã acordava sempre assoviando."
Amou muito na vida e foi amado também. Variava nas emoções, mas o amor e o cuidado eram constantes. Quando ficava bravo com netos ou filhos, chamava todos de cabrito, cabritinha.
Lôro deixou uma linda e grande família, muito amor e uma indescritível saudade.
Haroldo nasceu em Quebrângulo (AL) e faleceu em São Paulo (SP), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Haroldo, Camila Santos Batista. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ozaias da Silva Rodrigues, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Ana Macarini em 14 de fevereiro de 2022.