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Hilda Menna Barreto Copello

1923 - 2021

Não importa qual fosse a refeição, nas mãos da doce Hilda, o prato mais simples virava um banquete.

Hilda viveu uma infância muito feliz e com bastante contato com a natureza. Ao lado de dez irmãos companheiros e sob os cuidados de pais extremamente zelosos, teve o primeiro entendimento sobre o que era amor.

À medida que o tempo passava e Hilda crescia, seu apego à natureza foi abrindo espaço para o gosto pela vida urbana, e os dois passaram a coexistir em uma quase sublime sintonia – a vida na cidade grande conquistou seu coração com incrível rapidez, mas não o dominou totalmente, pois sempre havia um lugar em seu peito para as doces memórias da natureza.

E não havia harmonia maior que o roteiro de viagens de Hilda: como um pássaro que atravessa o mundo de acordo com as estações do ano, gostava de veranear na praia e de ir para a serra no inverno.

De fato, viajar era uma das suas grandes paixões, mas nada se comparava ao amor pelo marido, Carlos. Os dois se conheceram em um evento em Uruguaiana quando tinham pouco menos de 20 anos, e o amor à primeira vista se transformou em algo muito maior, indescritível. Eles se entendiam apenas pelo olhar e mantinham uma relação de pura cumplicidade e compreensão. Se alguém perguntasse qual era o segredo do casal, Hilda e Carlos respondiam: “tolerância e amor”. Eram verdadeiras almas gêmeas. Estiveram juntos durante incríveis setenta e três anos, até o falecimento de Carlos. Os frutos desse amor foram os filhos Ilca, Gilca e Édison.

Hilda era uma mãe muito amorosa e responsável com a educação e formação dos filhos, sempre os incentivando a conquistar sua independência. Para Hilda, era extremamente importante que os filhos tivessem profissão e autonomia financeira. Sempre os estimulou a estudar e trabalhar. Hilda e o marido, inclusive, traziam esse exemplo para dentro do lar, através de suas próprias experiências profissionais e pessoais: ela trabalhara em uma sapataria e, após se casar, empregou seus esforços nos cuidados com a casa e a família, enquanto Carlos trabalhava como agente administrativo da Aeronáutica.

A perda de Édison, aos 11 anos de idade, deixou uma saudade inimaginável no coração de toda a família. Com a partida do filho, Hilda se tornou muito mais protetora com Ilca e Gilca, mas não tentava cortar as asas das filhas. O que fazia era ensiná-las a voar com sabedoria, cautela e coragem.

E Hilda não tinha medo de voar, nem de recalcular sua rota; ela mesma já havia mudado seu destino algumas vezes. Entre a década de 1950 e de 1960, mudou-se com o marido para Porto Alegre. Voltaram para Uruguaiana pouco tempo depois, para cuidar da mãe idosa de Carlos. Nos anos 1970, retornaram para Porto Alegre e firmaram suas raízes na capital. Hilda e as filhas, que acabaram convivendo nos dois lugares, adquiriram os hábitos respectivos de cada um: o sotaque carregado da fronteira e a contemporaneidade de Porto Alegre.

Quando o assunto eram as netas Camila e Bruna, Hilda não poupava mimos e carinhos. Dentre tantas recordações da avó, a comida é a que mais traz aconchego. Hilda cozinhava de tudo: pastel, rapadura de doce de leite, polenta... E era frequente mandar para as netas suas marmitas, ou viandas, como dizem no Sul do país. Hilda também teve o prazer de conhecer seu primeiro bisneto, Rafael, filho de Bruna. Mãe e filho viajaram especialmente de São Paulo para o encontro, e, claro, a recém-bisavó se encantou pelo novo integrante da família Cardoso Copello.

Hilda também gostava muito de tricô e crochê e presenteava as pessoas com as peças que fazia. Certa vez, deu para Camila uma colcha cor de rosa que ainda hoje aquece o coração da neta. Tudo que Hilda tocava ganhava sua personalidade ímpar. Sua casa era assim também: os móveis eram clássicos, típicos de uma autêntica casa de vó.

Mesmo sendo tímida, nada a impedia de demonstrar afeto. Seu jeito de sempre se fazer presente era uma de suas características mais marcantes e admiradas, juntamente com sua força inigualável. Hilda era uma fortaleza, ao mesmo tempo cheia de graciosidade. Também não economizava risadas, às vezes ria de qualquer bobagem.

Com a idade, Hilda começou a precisar de mais cuidados e, para isso, contou com o apoio de toda a família e de duas grandes aliadas, sua médica, Walkiria, e sua fisioterapeuta, Gisele. Ambas as profissionais também haviam atendido Carlos e se dedicavam a cuidar de Hilda com muita humanidade. Ela ficava bastante animada com a fisioterapia, dava risada e se empenhava em cada atividade.

Sua partida foi marcada por várias coincidências. Além de ir embora, no dia do aniversário de uma das filhas, o médico que cuidou dela se chamava Édison, o mesmo nome do filho.

A saudade que Hilda deixa é gigante, mas seu legado de força e amor é muito maior. Sua família e todas as pessoas que tiveram o privilégio de conhecê-la levam a história de Hilda como uma inspiração.

Hilda nasceu em Uruguaiana (RS) e faleceu em Porto Alegre (RS), aos 97 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Hilda, Camila Copello Canazaro. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Camilla Campos Trovatti, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 9 de julho de 2021.