1952 - 2021
Astro-rei das reuniões familiares, estava sempre aberto para escutar as pessoas.
"Meu pai era muito brincalhão. Tudo pra ele era motivo de alegria, de zoeira, de bagunça boa", resume a filha Zilmara sobre o jeito de ser de seu amado e saudoso protetor. Contador de piadas, Ilson desfrutava de uma condição de "celebridade" nas reuniões de família, pois ele era a diversão em pessoa: onde estivesse, o ambiente ficava mais alegre e cheio de vida.
Nascido no Rio de Janeiro, Ilson morou em Belém muitos anos com a esposa e suas duas meninas: Zilmara e Vanessa. Mecânico aposentado da Rede Ferroviária Federal, tinha uma personalidade inquieta, não se permitia ficar parado. A rotina do casal incluía acordar cedo e ir para a Igreja Universal, no bairro Outeiro, na qual eram obreiros. "Meu pai gostava de evangelizar e oferecia bons conselhos aos que o procuravam para conversar ou desabafar", conta Zilmara.
Pregava a palavra de Deus pelas ruas, de porta em porta, e também nos presídios, onde distribuiu bíblias aos detentos. Com sua escuta generosa, Ilson orientava vizinhos e amigos sobre problemas no casamento, uso de drogas, depressão. Firme e honesto, acolhia quem dele precisasse.
Mesmo nos momentos mais sérios, nada tirava a espontaneidade de Ilson, "expert" em colocar apelidos engraçados nas pessoas. Zilmara confessa que chegava a ficar com ciúmes da relação do pai com os primos dela, uma vez que todos queriam estar por perto. "A família sempre criava pretextos para fazer um churrasco, um almoço, um evento só para chamar meu pai e ouvi-lo recontar as velhas piadas que, na interpretação dele, faziam a gente sorrir. Era muito querido pelos sobrinhos, cunhados e irmãos".
A energia e o carisma de Ilson eram, de fato, contagiantes. Criava dancinhas e imitava a voz da esposa ao telefone, quando Zilmara chamava de outra cidade: "Toda vez que eu ligava para minha mãe, meu pai atendia e fazia o papel dela. Era muito engraçado. Eu sabia que era ele, mas deixava que ele tagarelasse um pouco e depois interrompia: 'eu sei que é tu, pai'". Ilson, então, soltava um gargalhada bem alta e jurava que ainda iria conseguir enganar a filha, "enquanto a minha mãe rachava de rir ao lado dele", relembra.
Outra gaiatice de Ilson era formar uma quadrilha com as duas filhas para roubar docinhos durante o seu Parabéns. "Meu pai adorava sua festa de aniversário. Na hora de apagar a velinha ele colocava minha irmã Vanessa e eu bem na frente da mesa do bolo. Quando a luz se apagava, ele ordenava que a gente enchesse os bolsos com docinhos para dividir com ele mais tarde. Ficava um vazio na mesa porque pegávamos tudo. A gente sabia que ele era uma formiga; aliás, tinha prazer em comer uma comida bem temperada. Não dispensava uma 'boquinha livre'", revela Zilmara.
A única coisa que podia tirar Ilson do sério era se alguém mexesse na sua coleção de carrinhos. "Vem criança?", perguntava e retirava as miniaturas do alcance das visitas. Se aparecessem sem aviso prévio, ficava de olho para que ninguém, absolutamente ninguém, tocasse em seus preciosos tesouros.
Mas não eram apenas carrinhos os objetos de desejo de Ilson. Ele mantinha uma "infinita" variedade de DVDs, de filmes e de CDs. Tinha um grande aparelho de som e deixava seu gosto eclético rolando alto. Raça Negra, Bruno e Marrone, Zezé de Camargo e Luciano, canções evangélicas. O importante era ouvir as melodias preferidas enquanto realizava as tarefas domésticas.
Ilson também curtia passeios na praia e os dias de sol quente. Com seus óculos estilo aviador e uma pochete atravessada no peito, apresentava-se a desconhecidos como policial federal, só para arrancar sorrisos. "Ele causava. Era paparicado por todos", pontua Zilmara.
Zilmara guarda uma memória especial do relacionamento com Ilson: "Quando eu tinha 10 anos, ele me ensinou a colar um cano de PVC, enfatizando que eu deveria aprender tudo o que os homens fazem, para nunca depender deles na vida". Assim, instruiu a filha a manusear todas as ferramentas, a virar cimento, a aplicar adesivo de epóxi. "Ah, esse adesivo... Cada coisa que quebrava ele restaurava com essa massa. Isso não podia faltar na oficina do nosso "MacGyver", recorda Zilmara, divertida, citando o personagem da série Profissão: Perigo".
Em contrapartida, Zilmara capacitava o pai a lidar com as novas tecnologias. Por meio de tutoriais em vídeo, explicava a Ilson como navegar no computador, como postar em aplicativo. "Meu pai tinha muito orgulho de mim, da minha força, da minha determinação e de todas as minhas conquistas. Ele era o cara! E para sempre será o meu grande herói".
Ilson nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu em Belém (PA), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Ilson, Zilmara Pinto Alves Rodrigues. Este tributo foi apurado por Katarini Miguel, editado por Luciana Assunção, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 12 de setembro de 2021.