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Inêz Batista Toledo

1944 - 2020

Seu sonho de estudar foi tão grande quanto a sua paixão por alfabetizar.

A jovem Inêz sempre carregou consigo o sonho de estudar. Uma mulher negra, com poucos recursos materiais, mas muito independente e que, aos 8 anos, já trabalhava como babá. Aos 13, saiu da cidade de Gália, no interior de São Paulo, rumo à capital. Naquela época, era preciso fazer um teste para continuar os estudos do quarto para o quinto ano e, Inêz, muito determinada, já havia até conseguido os livros para continuar seus estudos.

Ao chegar à capital, sua irmã mais velha, que já morava por lá, arrumou um emprego para Inês, como empregada doméstica, tentando convencê-la de que era uma boa opção porque ela não precisaria pagar o aluguel e pouparia gastos particulares. Mas Inêz “bateu o pé” e não foi, pois preferia trabalhar em uma empresa. Quando fez 14 anos, tirou sua carteira de trabalho e começou o ofício como tecelã em uma fábrica têxtil, onde ficou por certo tempo.

Mas o sonho de estudar nunca saiu de sua mente. Em busca dele, começou fazendo o “Madureza”, um curso para educação e formação de jovens e adultos. Depois, concluiu seus estudos no colégio e, finalmente, se formou no magistério, em escolas particulares. Durante esse período, nasceram seus três primeiros filhos. "Mesmo com muita luta, trabalhando como servente de escola da rede SESI e com meu avô brigando para ela parar de estudar, ela se formou. Dizia que só Deus poderia impedi-la", relata a sua neta Mayara.

Apesar dos desafios na trajetória, conseguiu tornar-se professora. A Inêz professora gostava de ensinar crianças pequenas, do primeiro ano, pois sua paixão era poder ajudá-las a ler e a escrever. Lecionou no MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), trabalhou em escolas estaduais e também municipais antes de se aposentar.

Inêz casou-se em 1963, aos 19 anos, com Ariovaldo, depois de namorá-lo por três anos. Eles se conheceram em um campo de futebol, quando Inêz foi convencida por uma amiga a ir assistir a uma partida. Teve quatro filhos.

Na sua vida pessoal, passou pela perda de uma filha com apenas 2 anos, foi vítima de sarampo e o seu quarto filho foi assassinado aos 23 anos, deixando para ela três netinhos. Na sua família, de uma forma agregadora, cumpriu os papéis de mãe, tia, avó e bisavó, sempre reunindo todos. Se alguém sumisse, ela dava um jeito de encontrar!

Dona Inêz, como era conhecida por muitos, amadureceu como uma senhora sábia. Gostava muito de descansar no sofá, curtindo sua casa e não queria ninguém morando com ela, pois era “dona do próprio nariz, tinha rodinhas nos pés e nunca parava”. Ao mesmo tempo, “uma passarinha que amava as flores”, nas palavras da sua neta Mayara, que se despede dela com a saudação de sempre: "bença, vó!"

Inêz nasceu em Gália (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Inêz, Mayara Toledo Souza. Este texto foi apurado e escrito por Thalita da Silva Lima, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 31 de agosto de 2020.