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Irineu Inácio da Silva

1955 - 2021

Quando suas criações davam certo, alegrava-se com a beleza de sua obra.

Ele foi o amor da vida de sua filha. Médico, músico, professor e marceneiro. Sabia como curar a dor das pessoas, tirar melodias dos instrumentos, criar e inventar formas na marcenaria.

"É o meu pai, o amor da minha vida. Nascemos no mesmo dia — capricornianos do dia 23 de dezembro —, ele em 1955 e eu em 1993. Então, todo ano ele falava que eu fui o melhor presente de aniversário da vida dele". Alguns dias após a partida do pai, a filha lembrou a frase de Guimarães Rosa: “Saudade é ser, depois de ter”.

Verdadeiro, íntegro, sabia ler as pessoas como ninguém. Exibia sabedoria e resiliência para lidar com os percalços da vida; suas ações e postura diante dos desafios foram inspiração para muitos. Vivia de bom humor, só quem o conheceu sabe a delícia e a leveza que era estar junto dele. "Meu pai foi uma pessoa que soube viver de maneira intensa, fazendo o que gostava. Tudo o que ele se propunha a aprender, ele realizava da melhor maneira possível."

Isabella garante que levará consigo sua alegria de viver, sua visão simples da vida, do que é a felicidade e das coisas com as quais realmente devemos nos importar. "Sou muito grata a Deus por ter tido o privilégio de ser filha desse cara. Um pai que a vida toda transbordou amor e zelo".

"Consigo sentir sua energia e presença todos os dias. A certeza de que nos reencontraremos acalma meu coração e faz com que a gente siga em frente, como ele gostaria que seguíssemos: firmes e honrando a felicidade que ele sempre almejou para a família. O carinho, o amor e tudo o que nos ensinou está vivo e forte entre nós. E, para citar Santo Agostinho: 'A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo'".

Isabella informou que no dia 11 de junho de 2021, a cidade de Passa Quatro, em Minas Gerais, resolveu homenagear o Dr. Irineu Inácio, colocando o nome dele no Pronto Socorro local, que passou por uma longa reforma. No dia da inauguração, a tia de Isabella, Maria Cecília de Oliveira e Silva, irmã de Irineu Inácio, escreveu:

"'A tarefa de viver é dura, mas fascinante' (Ariano Suassuna).

"Antes de qualquer coisa, quero cumprimentar a todos: autoridades, amigos, parentes presentes nesse momento, que é muito importante para o nosso município: a tão sonhada, a tão almejada reforma e reinauguração do Pronto Socorro Municipal.

Quis o destino, que fosse durante uma pandemia; quis também que o homenageado, fosse um soldado dessa 'guerra' que travamos. Um soldado com tantas características para serem aqui contempladas, talvez a principal delas seja a sua inquestionável capacidade de servir.

'Plante no público, colha no privado'; essa frase meu irmão Irineu me disse muitas vezes quando busquei seus conselhos em alguma tomada de decisão. Meu irmão era uma pessoa que trazia leveza para as batalhas que enfrentava. Uma das maiores alegrias dele eram os partos. Ah! Quando ele podia ajudar a trazer uma vida ao mundo, era uma música. E era isso que ele fazia, se a situação permitisse: tocava um instrumento, uma melodia recebendo essa nova vida.

Na família, ele tinha o codinome de Professor Pardal, porque ele gostava de inventar coisas, máquinas que ao funcionar ele falava: que gostoso! Parece uma anestesia! Para os colegas ele era o capacitado médico, responsável, focado e entregue à profissão com ânimo, coragem e, sobretudo, humanidade. Foi também o maestro Irineu, outra importante habilidade desse homem extraordinário: a música. A música foi sua parceira e fonte de renda. Ele foi um dos maiores entusiastas da banda municipal. Ajudou a angariar recursos, e a motivar jovens a crescerem, tendo a experiência musical, moldando valores morais de vida.

Quando comecei, citei uma frase cunhada pelo Suassuna, como poderia ter citado uma de Fernando Pessoa, que tinha vários heterônimos, com habilidades distintas como a personalidade dele: músico, médico, professor, inventor; ou uma de Guimarães Rosa, que foi médico e escritor, cujas obras ele tanto admirava. Gente importante que marcou a humanidade e este país. Escolhi o Suassuna, por ele ser engraçado, simples e erudito como o Irineu.

Quantos olhos ele viu abrirem-se? Quantos ele viu fecharem-se? Ele amava este abrir de olhos e ficava muito triste quando os olhos se fechavam, principalmente quando eram de pessoas queridas. Guardamos em nossas lembranças e em nosso coração a generosidade de seus olhos. Ele nos ensinou a ampliar nosso olhar sobre a vida, que muitas vezes, é dura e fascinante.

Para terminar, inspiro-me nas palavras que meu outro irmão, João Bosco, usou quando foi inaugurada a Unidade Básica de Saúde Ana Rosa de Oliveira, em homenagem a nossa mãe: que as pessoas, ao chegarem neste pronto-socorro, tenham suas dores aliviadas pela amável e corajosa lembrança desse homenageado, como uma de suas abençoadas anestesias.

Em nome da família, muito obrigada!"

A filha Isabella encerra a homenagem citando o Poetinha:

“Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida...”
(Vinícius de Moraes)

"Te amo para sempre, meu Neneu. Você é eterno pai. Nenhuma homenagem que eu faça, vai ser suficiente para o que você merecia. Melhor marceneiro, professor, músico, médico, parceiro de aniversário, amigo e pai."

Com amor,
Isa

Irineu nasceu em Passa Quatro (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Irineu, Isabella Ribeiro da Silva. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Cristina Marcondes, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 13 de outubro de 2021.