1951 - 2020
Conheceu a guerra em seu país de origem e encontrou a paz profunda contemplando o mar no Brasil.
Dona Isilda era uma mulher amorosa, forte. Considerada por todos e todas como o alicerce da família, fazia de tudo para estar sempre presente, cuidando com muito afeto e zelo do marido, dos filhos e dos netos.
Muito organizada, gostava de manter o ambiente impecavelmente limpo. Assim, mantinha a casa – e o seu coração gigante – sempre de portas abertas, acolhendo com amor quem chegasse. Uma de suas grandes alegrias era reunir toda a família em volta da mesa, em animados churrascos.
Quem conhecia Dona Isilda sabia que sua jornada havia sido marcada por grandes adversidades e fortes emoções, tal qual a letra da canção de seu artista preferido: “(...) são tantas já vividas, são momentos que eu não esqueci”. Dona Isilda era apaixonada pelo rei Roberto Carlos!
Ela nasceu na região de Lubango, em Angola. Precisou sair escondida e às pressas de lá, quando na luta pela independência, o país se envolveu em um conflito armado com Portugal.
A Guerra de Independência de Angola – também conhecida como Luta Armada de Libertação Nacional –, estendeu-se por longos treze anos. Diante de um cenário aterrorizante, Dona Isilda só conseguiu encontrar uma solução para proteger sua família de tamanha violência: fugiu, com o marido e seus 2 filhos pequenos – na época o mais velho estava com 5 anos e o menor com 3 meses –, para procurar abrigo em Portugal.
Viveu no país europeu por um breve período e, com uma esperança que insistia em assoprar em seu ouvido que um futuro melhor era possível, em 1974 desembarcou no Brasil com a família, alguns pertences, muita determinação e coragem para seguir com a vida em sua nova morada.
Aqui, do outro lado do Atlântico recebeu a feliz notícia de que estava grávida novamente: “meus dois irmãos são angolanos, mas eu nasci no Brasil”, conta Elizabeth, a filha caçula.
“Minha mãe era um anjo na Terra, uma pessoa alegre, de sorriso contagiante e entusiasmada com as pequenas alegrias da vida”, relata a filha. E ela continua, emocionada: “Dona Isilda evitava tomar sol porque sua pele era muito clarinha, mas amava ficar na beira da praia, olhando hipnotizada o vai e vem das ondas, a espuma fazendo desenhos na areia; minha mãe entrava em um estado de paz profunda contemplando o mar.”
A vida de Dona Isilda, mesmo repleta de batalhas, não foi permeada por lamentos. Em terras brasileiras seguiu com valentia e aguentou firme a saudade que sentia de seu querido pai e de sua querida mãe, que permaneceram morando em Portugal.
Infelizmente não conseguiu rever o pai, que faleceu 15 anos depois que ela tinha chegado ao Brasil. Mas teve a grata oportunidade de reencontrar sua mãe, a Dona Aurora, nas duas vezes em que viajou para Portugal, aquele país pequenino que acolheu toda sua família num dos momentos mais delicados de suas vidas.
A alegria experimentada naqueles dois reencontros foi tão intensa que Dona Isilda tinha planos de ir novamente para Portugal em maio de 2020, para rever a mãe agora com abençoados 92 anos. Com a pandemia, surgiram as restrições e a viagem internacional precisou ser adiada. O coração de Dona Isilda ficou povoado de saudade porque seu grande sonho era ir ao encontro de sua mãe mais uma vez.
Em 2020, no dia do seu aniversário, Dona Isilda já estava sob cuidados médicos. As alegres e inesquecíveis comemorações foram então revividas na memória de cada familiar: quem conseguiria esquecer aquela querida “formiguinha” se deliciando com um pedaço de bolo de leite ninho, o seu preferido?
“A saudade é imensa, sem fim; minha mãe será para sempre o meu anjo e muito amada, seguirá viva nos nossos corações”, conclui comovida a caçula Elizabeth.
Isilda nasceu em Sá da Bandeira (HUI) Angola e faleceu no Guarujá (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Isilda, Elizabeth Rodrigues Lopes. Este tributo foi apurado por Lila Gmeiner e Hélida Matta, editado por Claudia Saviolo, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2021.