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Ivana Alves Carvalho

1961 - 2021

A generosidade fazia dela um ser acolhedor, seu sonho era adotar um gatinho de cada cor.

Ivana era casada com Mauro, pernambucano, e eles completaram bodas de 25 anos de união pouco antes de seu falecimento. Os dois se conheceram no banco em que trabalhavam. Por coincidência ou destino marcado, tempos depois se reencontraram em outro banco, decidiram namorar, se casaram em 1996 e tiveram Fernanda como única filha.

Ela sempre foi uma companheira amável, dedicada e, muitas vezes fazia o papel de mãe no relacionamento, suprindo a falta que Mauro sentia da própria mãe com quem pouco conviveu. Com sua forma de ser, sempre ensinou às pessoas a sua volta o que era amar sem pedir nada em troca, fazendo mais pelos outros do que por si mesma, com frequência.

Sua vontade de ajudar era tanta que muitas vezes marcava consultas e exames para todos da família, mas a filha precisava insistir para que fosse fazer os próprios; era capaz de deixar a raiz do cabelo sem tingir, para passar mais tempo com quem amava ou doar o dinheiro a quem precisava, nem que fosse pouco. “Estava correndo para lá e para cá; tenho isso em mim e me acostumei a fazer igual, só que me cuidando um pouco mais. Nos últimos meses, ela estava fazendo isso também. Estava super bem de saúde, numa fase de muita gratidão e realizando sonhos”, afirma a filha.

Fernanda conta para ilustrar a dedicação da mãe: “Com os meus avós, ela foi tão dedicada quanto podia. Tanto que quando eu estava com apenas 3 anos, nos mudamos definitivamente para a casa deles, pois meu avô era alcoólatra e exigia atenção constante. Mesmo após o falecimento dele e nosso primeiro grande luto em casa, continuamos morando com minha avó materna e eu segui assim, também, até pouco antes de me casar e me mudar, em maio de 2022 para o apartamento que minha mãe sonhava em viver o restante de sua vida, em Mogi das Cruzes.”

E continua: “Fui a única filha e, assim, pude receber um amor tão profundo de mãe, melhor amiga e confidente. Minha parceira para as horas mais divertidas e difíceis também. Ela foi e é incrível de onde estiver. Com ela não havia tempo ruim, era feliz e irradiava felicidade para quem estava a sua volta de um jeito difícil de explicar. Era inabalável e, geralmente, era ela quem colocava os outros para cima, com seu jeito mãezona de ser para todos”.

Ela gostava de juntar a família, não importava onde fosse e, assim, passeavam todos os finais de semana em parques, shoppings, casa de alguém ou praia, fortalecendo o seu prazer de estar junto da filha. Ao mesmo tempo em que considera fácil falar todas as qualidades da mãe, não encontra palavras suficientes para descrevê-la com seu amor incondicional, puro e simples.

Ivana chegou a fazer 9 semestres do curso de Administração e, embora tenha trancado a faculdade, nunca deixou de estudar terapias integrativas como aromaterapia, florais de Bach e Reik. Foi uma ótima professora de inglês e, nos últimos 25 anos, trabalhou como responsável financeira por uma gráfica. Sempre foi dedicada em tudo que fazia e seus superiores acabavam por confiar suas vidas a ela.

Nas horas vagas ela e a filha estudavam e assistiam séries juntas. Cuidava de tudo e todos com muito amor e, detestando ficar sozinha, dava um jeito de sair para o shopping com a filha ou com sua mãe, visitava amigas, fazia café da tarde, conforme recorda Fernanda: “meu atual marido sempre passou muito tempo com ela, viajávamos juntos, enfim, ela era muito companheira de quem estivesse disposto a ficar perto de alguém alto astral.”

Agregadora, acolhia os amigos e namoradinhos da filha. Uma mãe tão zelosa e incrível que seu amor pelas amiguinhas da filha fazia com que elas, desde crianças, quisessem ficar por perto dela, tamanha a proximidade que Ivana cultivava. Fazia lanchinhos, ouvia as fofocas, contava sobre sua adolescência, como se fosse nossa amiga mais próxima, sem julgamentos. Levava para passear e, quando as proibia de ir para algum lugar, era porque confiava nelas, mas não nos outros. Constantemente, a turminha dormia na casa dela, em Mogi das Cruzes, ou na Vila Medeiros, em São Paulo, na casa de sua mãe.

“Algumas das melhores lembranças é dela nos levando e buscando de baladas e na manhã seguinte doida pra saber todos os acontecimentos; já esperava com café da manhã, algo que o irmão dela também fazia quando eles chegavam da noite, tradição mesmo”, conta Fernanda, toda orgulhosa.

Ivana sempre amou bichos, aprendeu com seu pai e ensinou à sua filha. Teve um gato na infância e adolescência, o Ticão, que infelizmente morreu envenenado. Por um tempo ficou sem outro, até que uma gatinha apareceu na garagem de sua casa e isso se tornou recorrente, com ela cuidando dos animais como se fossem filhos.

Ajudava gatinhos de rua e chegava a andar com ração e petisco na bolsa para alimentá-los. Dizia que queria ter uma coleção de gatos com um de cada cor e sofreu tanto quando a laranjinha Sophie se foi, que chorou todas as noites durante meses na hora em que costumavam ficar no sofá assistindo séries, e olhava para a filha como a perguntar: “E agora?”

Fernanda rememora histórias vividas, hábitos, costumes e sonhos de Ivana:

“... Eu puxei o fato de ser desastrada como ela, que esqueceu até que tinha um fast food no carro e se sentou em cima do lanche que chegou em casa todo amassado; já falou que toda árvore alta era eucalipto numa naturalidade que a gente chorava de rir. Na verdade, ela tinha uma imaginação tão avoada e brincalhona que vivia soltando pérolas. Consigo ouvir claramente a gargalhada digitando isso. Assistíamos muitos shows juntas e uma vez ela ficou toda “se sentindo” quando o segurança pediu o RG dela para comprovar que era aposentada... tanta coisa que nem sei como filtrar as melhores!”

“Adorava músicas sertanejas, tanto que "Saudade Atemporal", interpretada por Rio Negro & Solimões, sempre a faz lembrar. Anotava tudo que precisava lembrar e, religiosamente, à mão; tinha sua agenda na bolsa; não dispensava torta salgada de liquidificador, pavê de chocolate, bolo de paçoca, estrogonofe de cogumelos, lasanhas diversas de abobrinha; seus perfumes preferidos eram Floratta Blue e óleo essencial de Hortelã Pimenta; no futebol era "corintiana" e torcedora da seleção brasileira, mas mais pela zoeira...! Sonhava com sua coleção de gatos e poder ajudar mais os bichinhos em geral, bem como viajar o mundo e estudar mais e mais.”

Destaca, dentre tantos ensinamentos que recebeu da mãe, o cultivo da gratidão por todas as situações, a importância de ser gentil e feliz e de tentar o que se quer porque o não sempre já se tem como possibilidade.

Finaliza sua homenagem dizendo:

“Ela me marcou em tudo, tudo mesmo. Nossos melhores momentos foram juntos, o luto do pai dela e meu avô e nosso "renascer" juntas marcou muito. Estávamos sobrevivendo numa fase muito aguda, cerca de 1 ano e meio do falecimento dele, até que decidimos virar o jogo da vida e frequentar um centro espírita kardecista”. De lá para cá que o nosso despertar na Medicina Integrativa cresceu, entender que aqui é só uma passagem e a vida é muito mais que a Terra. Esse reencontro com nossa fé foi bem marcante, paramos de nos culpar pelo que fizemos e nos cobrar pelo que poderíamos ter feito, e isso me ajudou muito quando a perdi, pois sei que fiz o impossível e possível, mesmo doendo."

Para Fernanda, a lembrança de Ivana não se apagará, o que ela reforça dizendo: “O sorriso largo e a gargalhada marcante ecoam em mim... Quase dois anos e ainda não sei a resposta, só sei que estará sempre comigo. Ela continua nos iluminando e está eternizada na nossa alma antes mesmo de ter de viajar mais cedo, como costumamos dizer.”

Ivana nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Ivana, Fernanda Carvalho de Oliveira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 28 de outubro de 2023.