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Jacob Batista dos Santos

1944 - 2020

Ele gostava mesmo era de bater papo.

“Meu pai era muito brincalhão, estava sempre sorrindo. Adorava sair pra ir ao mercado, bater pernas na rua, encontrar com os aposentados do bairro e jogar conversa fora. Corintiano, era de praxe assistir aos jogos na televisão. Duas vezes na semana comprava jornais para ler, embora não tivesse curso superior, sempre dizia que quem lia sabia mais”, conta Simone, a filha caçula.

Jacob, adorava apelidar as pessoas “ressaltando as características mais evidentes”, tais como: cabeça de coco ou cabeça de lua. Mas não pense que os apelidos eram aceitos numa boa pelas vítimas apelidadas; até porque, só eram anunciados dentro de casa, para que ninguém ouvisse, a não ser a família, é claro.

Ele tinha um amigo ET, ou melhor, apelidou o vizinho da frente assim, e dizia que era por conta da aparência. Mas o garoto peralta reclamava do apelido nada carinhoso que o amigo deu e o corrigia dizendo o seu nome. Jacob cuidava do garoto, que só vivia na rua aprontando. Ele dava comida, doces e aconselhava quando era preciso. Mas, às vezes, quando as pipas do garoto caíam no telhado de sua casa, ele rasgava, porque não aguentava mais subir para resgatá-las.

Apesar de Jacob adorar colocar apelidos nos outros, quando alguém o chamava de “Jacobe”, ele odiava e exclamava “Ninguém sabe pronunciar o meu nome! O ‘B’ é mudo! Me chame de JACÓ!”. Essa era uma das poucas coisas que o deixava nervoso. Nem quando o Corinthians perdia e os amigos o sacaneavam, ficava desse jeito. E olha que ele tinha tudo do Timão: caneca, copo, cobertor e camisas!

Patricia, Danilo e Simone são os filhos de Jacob com Cida. Os filhos também tinham histórias para o pai sacanear. A filha mais velha, a Patrícia, era chamada de “Pafé”, pois quando criança era assim que pedia café. Danilo era o chorão. E, Simone, a caçula, disse que “era a mais paparicada”.

Cida e Jacob, casados há mais de quarenta anos, brigavam direto pelo mesmo motivo: Jacob saía para comprar carne e passava horas batendo papo na rua. Quando chegava em casa, Dona Cida reclamava da demora e ele dizia “tava conversando com um ‘véio’ na rua”. Jacob gostava mesmo era de bater papo.

Jacob tinha o tiozão do “É pá vê ou pá comê?” interiorizado nele. Sempre brincava nas reuniões familiares. Ele roubava a cena quando falava um de seus bordões preferidos: “Choquei!”

Quando a pandemia começou, Jacob disse que iria morrer de tédio, pois o comércio estava fechado e ele não podia mais sair para conversar. Depois de um tempo, começou a sair para comprar o jornal. Queria ler para ficar informado; afinal, como ele sempre dizia: “Quem lê, sabe mais”.

Na despedida, reservada aos familiares mais próximos, todos preferiram sorrir, como sempre fazia Jacob.

Jacob nasceu em Água Branca (AL) e faleceu em São Paulo (SP), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Jacob, Simone Batista. Este texto foi apurado e escrito por jornalista João Vitor Moura, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 14 de novembro de 2020.