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Jadir Corradi Júnior

1962 - 2021

Com nota total no vestibular, precisou explicar à coordenação do curso o que fazia na vida além de estudar.

Quando nasceu, Jadir tinha os cabelos extremamente loiros, a ponto de sua mãe, Claudina, dizer que “pareciam fios de ouro”. Com o passar do tempo, os fios foram ficando mais escuros e, a partir de uma certa idade, tornaram-se prateados e mais raros, que, num grisalho, emolduravam uma careca reluzente.

O mais velho dos oito filhos de seu Jadyr e dona Claudina, Jadir não perdeu as oportunidades de trazer para perto aqueles que a vida lhe apresentou em sua teia de afetos. Foi assim com Gabriel, o primeiro filho, fruto do primeiro casamento, com Cristina Aparecida. Matheus veio um pouco depois, ainda com a primeira esposa. Do segundo casamento, com Maria Cristina, nasceu Conrado. Jadir sempre fez questão de manter o relacionamento e o afeto entre os três filhos.

Como pai dedicado, não precisou de decisão judicial para manter o pagamento da pensão dos filhos do primeiro casamento: mensalmente, de forma religiosa, cumpria com a obrigação. A fala do caçula Conrado resume bem como foi a paternidade de Jadir. Ele diz: “agora eu não tenho pai, mas eu tive o melhor pai do mundo”.

Outra marca dele foi a honestidade. Era incapaz de praticar qualquer ato que pudesse prejudicar alguém. Um exemplo disso foi a sociedade que teve com o irmão Jardel. A parceria entre os dois foi fundamental para que se realizasse o sonho de construir um prédio de apartamentos. Certa vez, estavam precisando de uma vassoura na obra. A esposa Maria Cristina sugeriu que levasse uma vassoura seminova que tinham em casa e depois comprasse outra. Ele recusou a sugestão, dizendo que era melhor comprar e pegar a nota fiscal, “porque eu tenho que anotar tudo da planilha”. Jadir não teve tempo de ver a obra totalmente terminada, uma vez que adoeceu durante a construção, mas os apartamentos seguem em fase de acabamento e, em algum tempo, estarão prontinhos como o planejado.

Ainda no universo profissional, ele foi funcionário concursado da principal empresa brasileira de correios, onde trabalhou durante trinta e oito anos. Atuava com zelo como administrador postal, sendo responsável pelos contratos com grandes empresas nacionais para o envio de correspondências aos clientes. Os colegas tratavam-no com respeito e admiração, sempre destacando o fato de Jadir ser muito ético e inteligente. Ele também era extremamente assíduo e não tinha coragem de faltar um dia sequer de trabalho.

Sobre a habilidade dele com os diversos campos de conhecimento, cabe ressaltar que ele foi o nono colocado entre todos os inscritos no concurso público no qual foi aprovado. Sempre gostou de estudar e foi graduado em Administração, Direito e Engenharia. Nesta última formação, fechou todas as provas no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais, ficando com nota 100. Como calouro, foi chamado à coordenação do curso, pois queriam conhecer o novo aluno e saber o que fazia na vida além de estudar.

O relacionamento com a segunda esposa, Maria Cristina, foi marcante na vida de Jadir. Saudosa e com uma memória impressionante para guardar datas, ela conta que viu Jadir pela primeira vez em 20/5/2004. Era aniversário de Jader, um dos irmãos dele. “Dirinho”, como Jadir era carinhosamente chamado na família, chegou e beijou a mãe. Foi quando Jader apresentou Maria Cristina ao irmão dizendo que ela era “filha do Zé Matheus que morava naquela casa velha que foi do papai”. O tal imóvel fica em Roças Novas (MG) e foi comprado pela família de Maria Cristina. Na conversa, os dois descobriram que, num tempo em que sequer imaginavam a possibilidade de se conhecerem, tinham dormido, em épocas diferentes, no mesmo quarto daquela casa.

O tempo foi passando, e numa visita à casa de Maria Cristina, Jadir esqueceu uma touca. Quando a peça foi encontrada, a futura esposa ligou e disse a ele que precisava devolvê-la, o que serviu de pretexto para mais um encontro do casal. Era o que faltava para que os dois decidissem iniciar o namoro que culminaria no casamento, ocorrido no dia 19/5/2007.

No amor de Jadir, Maria Cristina foi se transformando em “Cris”, em “Princesa”. Nos 17 anos de relacionamento, com o apoio dela, ele mudou hábitos alimentares, os quais foram fundamentais para sua saúde. Habituado a fazer as refeições em restaurantes, apesar do cargo de gestor e sem nenhum constrangimento, passou a levar marmitas preparadas em casa com salada farta e carnes magras. De vez em quando, abria exceções na dieta e apreciava uma bela feijoada. As batatas recheadas com bacon eram outro prato do qual ele gostava muito. No comum dos dias, amava comer queijo – ia cortando fatias pequenas e logo já tinha comido uma boa parte do alimento. Ele costumava dizer: “eu gosto mais disso do que de carne”.

Incontáveis foram os finais de semana em que o casal passou num sítio em Nova União (MG). Foi naquela propriedade que os dois plantaram diversas árvores frutíferas para a composição de um pomar. Para movimentar e alegrar o ambiente, a trilha sonora era sertanejo raiz. Jadir gostava muito de ouvir as canções da dupla Tião Carreiro e Pardinho.

Antes do casamento com Cris, Dirinho não gostava muito de festas. Aos poucos, porém, as festas de aniversário foram ficando cada vez mais frequentes. Era momento de receber a família e os amigos para celebrar a vida. Cris ressalta que ele passou a beber sua apreciada cerveja de forma mais comedida. Com relação aos aniversários da esposa, Jadir tinha o hábito de ficar acordado até a meia-noite e fazia questão de dar o primeiro beijo do novo ano e algum presente logo nos primeiros minutos do dia da celebração.

Um outro traço da personalidade de Jadir era a seriedade. No primeiro contato, ele cumprimentava todos com sua fisionomia séria. Contudo, bastava um pouco de conversa para que ele se soltasse e fizesse suas brincadeiras, característica herdada pelo filho mais novo, Conrado. Uma das preferidas de Dirinho acontecia nos momentos de despedida. Com ar de seriedade, falava: “olha, se eu não te telefonar, eu ligo avisando”. Esse ato contínuo sempre fazia se abrir um belo sorriso.

Cativar amizades também foi uma constante na vida de Jadir. Tinha muitos amigos e admirava e respeitava cada um em suas particularidades. Um deles foi o Antônio, que trabalhava no sítio da família em Nova União (MG). O trabalhador foi ganhando espaço no coração de Jadir e, com o tempo, passou a ser tratado como uma pessoa da família. Nos momentos de preparação do almoço, era comum que eles conversassem animadamente na cozinha saboreando uma cerveja. O quarto de Antônio ficava dentro da casa da família, e não havia a tão habitual separação da casa dos patrões da casa do empregado.

Outros dois amigos também eram tão especiais para Jadir que merecem ser lembrados aqui. O primeiro é Gilberto, um advogado, a quem, a partir do convívio, Jadir foi se afeiçoando. Por sua vez, Pio era tão ligado a Dirinho que sempre comentava seu desejo de ser padrinho de batismo de um possível novo filho dele com Cris. Nas rodas das festas, os três tratavam-se como irmãos. Como o próprio Jadir explicava, apesar de não terem os mesmos pais, eles eram “irmãos de vida”.

Jadir segue vivo na continuidade da obra dos apartamentos que ele tanto sonhou, nas brincadeiras do Conrado e nas noites do aniversário de Cris.

Jadir nasceu em Belo Horizonte (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Jadir, Maria Cristina Magalhães Pinto Corradi. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Débora Spanamberg Wink e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2022.