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Jaime Antunes

1927 - 2020

O eclético engenheiro que amava música erudita e gostava dos programas de humor do Chaves.

Há histórias que são contadas com tanto afeto e amor que precisam ser lidas com o coração. Essa é uma delas. Maria José, cuidadora por sete anos do Sr. Jaime, conta um pouco sobre o patrão que se tornou um amigo, quase um pai.

Ele foi engenheiro mecânico da Ford por muito tempo e também professor de matemática. Estava aposentado. Nasceu na região da Vila Clementino, região pouco urbanizada na época, onde seu pai tinha um armazém e ele jogava bola na rua com as outras crianças. Nunca se casou: contava que teve algumas namoradas, mas quando deu por si já era um solteirão. Tinha dois sobrinhos: Maria Lucia e Henrique, e curtia quando podia encontrá-los.

Três cuidadoras se revezavam nos cuidados dele: Maria José, Quitéria e Rita e, quando chegavam, ele as recebia com muita vivacidade e alegria. Era um pouco controlador, mas muito correto com tudo e gentil com todas as funcionárias. Conversador, bastava que elas saíssem para ir ao supermercado que ele se aproveitava para ligar a alguém de sua agenda e engatar em longas prosas ao telefone. Nunca reclamou de nada. Gostava de comer bem, elogiava a comida. Água com gás era sua bebida preferida. Amava chocolates, e o Bis então! Até exagerava.

Homem extremamente gentil e bem-educado. À moda antiga, quando conhecia alguém tinha o hábito de dizer: “Jaime Antunes, ao seu dispor” Era católico. Todo dia, ao acordar, beijava a foto de sua mãe, Rosa, falecida quando ele ainda era jovem. E toda noite, antes de deitar, fazia suas próprias e poderosas orações.

Inteligente e com boa autoestima, riu até seus últimos dias. Tinha um cérebro brilhante, mesmo aos 92 anos. Culto, gostava muito de ler e seu quarto era cheio de livros. Quando Maria José encontrava algumas palavras difíceis e lhe perguntava, sempre respondia sem titubear. Ela ia checar no dicionário e sim, estava perfeita a explicação que ele tinha dado. Até expressões em outras línguas ele sabia. Colecionava gibis antigos: Mandrake, Tico-tico. Amante da boa música clássica, em contraponto, para se divertir com irreverência, gostava de assistir ao seriado humorístico mexicano de TV do Chaves.

“Ele parecia uma fênix”, diz a cuidadora. Todas as vezes em que teve algum problema de saúde, mesmo grave, rapidamente se recuperava e voltava para casa com uma disposição incrível, cheio de força para seguir. Era muita vontade de viver. Mas com a Covid não foi assim, oito dias foram o suficiente para o vírus levá-lo.

Maria José se emociona: “Homenageio essa pessoa maravilhosa que me ensinou muitas coisas e me fez rir. Com ele, aprendi a amar incondicionalmente. Aprendi a colocar muito amor na minha profissão. Ele dizia pra mim: ‘Mariazinha, vou te levar para o céu’. Eu aprendi a amá-lo e a cuidar dele como a um pai. Um sentimento profundo. Uma saudade que vai durar para sempre. Lamento essa perda, mas sei que ele está em paz, descansando ao lado de Deus.”

Jaime nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 92 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela cuidadora de Jaime, Maria José Rodrigues da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 12 de outubro de 2020.