1950 - 2020
Ele pilotou sua moto até os 70 anos. Mesmo tendo carro, preferia deslocamentos sobre duas rodas.
Agricultor tímido no jeito de ser — mas ousado no modo de viver — ele nasceu em Guapó, na região central do estado de Goiás. Do trabalho na terra, colheu muitos frutos, tanto materiais quanto imateriais.
Dono de uma calma impressionante, Jânio é definido pela neta Gabriella como sendo dono de uma enorme “resiliência no modo 'gourmet', mas, na real, eu diria calma ou paz”. Ela explica que nunca viu o avô bravo ou sendo grosseiro com alguém e não tem na memória nenhuma lembrança dele agindo dessa maneira.
Nas urgências e necessidades da vida na roça, os pais dele, Seu José Caetano e Dona Geralda, somente registraram o menino em cartório quando tinha cerca de 12 anos. Junto com os sete irmãos, Genesi, Neli, Irani, Neuza, Nenzinha, Geraldo e Jurandir, teve uma infância marcada pela paisagem do Cerrado e pelas brincadeiras no quintal da casa paterna.
Alguns anos mais tarde, houve um acontecimento marcante envolvendo Jânio e o irmão Jurandir, que foi portador de leucemia. Para tentar a cura do irmão, após os testes de compatibilidade, as células da medula de Jânio foram identificadas como compatíveis com as de Jurandir. Bom ressaltar que o fato de alguém da própria família ser compatível e poder fazer doação de medula é muito raro, sendo considerado um milagre.
Essa história da doação de medula foi muito marcante para toda a família, e refletiu a proximidade e carinho que os dois irmãos tinham um pelo outro. Lamentavelmente, devido a uma infecção hospitalar, Jurandir faleceu logo após a doação. Jânio ficou muito abalado na época, pois apesar de sua disposição em doar, o irmão não pôde seguir vivendo.
Seu Jânio teve duas esposas. Do primeiro relacionamento com Natália, nasceram Delvânio e Rosivania. O segundo, com Maria José, gerou Jeane e Jéssica. Com o passar do tempo vieram os netos. Dez ao todo: Jeice Kelly, Gabriella, Paulo filho, João Vitor, Júlia, Maria Eduarda, Daniel, Maria Alice, Geovana e Maria Cecília.
A relação dele com Maria José era muito carinhosa. Sempre que podia almoçava na casa dela, momento em que aproveitavam para colocar as notícias da vida em dia. Jânio também fazia questão de ajudar Maria José a manter a casa sempre com pintura nova.
Na escola, estudou até a 4ª série do ensino fundamental. Porém, com uma inteligência e habilidade muito grande para os negócios, prosperou por meio do trabalho na agricultura. Com o dinheiro que ganhou nesses anos todos comprou vários imóveis e, na velhice, a renda com os aluguéis foi o que manteve sua qualidade de vida.
Durante muitos anos Jânio cultivou arroz, milho e abóbora em terras arrendadas. Para conseguir produzir bastante, pegava financiamento no banco e comprava as sementes e os insumos. Algumas vezes a produção era “vendida” para o próprio Banco que, por meio de programas de garantia de compra de safra, aceitava o pagamento com o que era produzido. Noutras vezes ele vendia a produção por conta própria e pagava o financiamento.
Se alguém quisesse ver aquele sorriso tranquilo e contido dele, tinha uma receita infalível. Bastava convidá-lo para comer frango caipira com angu e quiabo. Ele amava esse prato e invariavelmente comia até se fartar.
Para relaxar e se divertir, Jânio sempre ia pescar com alguns irmãos e amigos. Nas pescarias nos rios das Almas, Diamantino e Araguaia ele passava dias à espera dos peixes. Preparava o anzol, lançava no rio e aguardava com sua calma e paciência que algum peixe fisgasse a isca. No entremeio da pescaria, conversas sobre peixes e a vida. Quando estava em casa, depois do banho, gostava muito de ver novelas e assistir telejornais.
A paixão inexplicável pelo Palmeiras, time do futebol paulista, era muito grande. E nos momentos das vitórias da agremiação da camisa verde ele não perdia a oportunidade de zoar os familiares. Se a vitória fosse sobre algum time para o qual o familiar torcesse, a farra era ainda maior.
O grande amigo de Jânio foi João Batista. Uma amizade somente revelada pela iniciativa de João Batista de cuidar dele durante o adoecer de Covid-19. Agradecida, a neta Gabriella lembra que foi ele quem levou o avô para receber atendimento no hospital.
Um outro acontecimento associado à saúde chega a ser engraçado quando lembrado depois de tudo transcorrido. Certa vez, Jânio precisou consertar um telhado e caiu da escada. O resultado foi que fraturou os dois braços. No dia seguinte, todo imobilizado e ainda se recuperando do susto, lá foi ele para uma clínica oftalmológica. É que como não estava enxergando muito bem, tinha uma cirurgia de catarata marcada e não quis adiar. Para Gabriella, o fato era motivo de piadas sempre que se lembrava dele e estava com Seu Jânio.
Jânio era motociclista. Embora tivesse carro, preferia se deslocar sobre duas rodas. Numa atitude ousada, pilotou sua moto até os 70 anos! Muitos tentaram demovê-lo dessa aventura com o avanço da idade, mas, destemido, ele perseverou na condução de sua motocicleta.
Para Gabriella, Seu Jânio foi uma pessoa única em diversos aspectos. Contudo, destaca sua forma carinhosa de ajudar seus filhos e netos. Na sua disponibilidade, sempre atento, fazia muito por todo mundo. E os fatos confirmam o que ela diz. Ele sempre reformou a casa da filha Jeane e dos netos Gabriella e João Vitor. Com chapéu de lona para proteger do sol e com sua roupa de trabalho, ele fazia de tudo um pouco na morada deles. Assentava pisos de cerâmica, pintava as paredes, corrigia vazamentos no telhado e o que mais fosse preciso. Gabriella conta que eram momentos muito bons, pois se ela pedisse uma parede cor-de-rosa no quarto ele fazia. A neta lembra que uma época as paredes foram pintadas de rosa com uns triângulos amarelos. A execução da pintura foi obra dele em parceria com a filha Jeane. O mesmo acontecia na casa de Dona Maria José. Nas lembranças de Gabriella, nunca um pedreiro precisou prestar algum serviço nas duas casas.
Outra lembrança deliciosa de Gabriella eram os momentos em que iam juntos comprar as tintas. Esse acontecimento produziu um hábito divertido protagonizado por Seu Jânio. Quando ele ligava para a casa da neta do telefone fixo, ela perguntava quem estava falando. E ele sempre respondia que era “da casa da tinta”. Entre sorrisos, Gabriella completa que o momento de ir até a fornecedora de tintas era muito especial para os dois. Juntos escolhiam as cores, já imaginando o resultado da pintura das paredes. Em outras palavras, a pintura da casa era um evento anual marcado por muito carinho e diversão.
Momentos preciosos da relação de Jânio com os filhos e netos eram produzidos pela interação com as redes sociais. Ele resolveu ter uma conta em uma dessas redes. Contudo, pela idade e pela trajetória de vida, quase sempre tinha muita dificuldade em estar na internet e na rede. Daí, sempre ligava para as filhas Jeane e Jéssica perguntando como fazer postagens e coisas assim. No manejo do celular, era comum que ele desconfigurasse tudo. Sem nenhum constrangimento, quase toda semana, pedia ajuda aos netos Gabriella e João Vitor para reconfigurar o aparelho.
Por essas coisas que só o transcorrer da vida explica, a filha mais próxima de Seu Jânio era Jeane. Por vários fatores, foi ela quem cresceu sempre perto do pai. Os outros filhos, por necessidade, moravam em locais distantes. Gabriella explica que “a relação dele com a minha mãe era de outro mundo. Quando meus pais se separaram e as coisas ficaram difíceis, ele sempre esteve por perto” e foi fundamental para que tudo se ajeitasse.
Nos últimos tempos Jeane mudou-se para os Estados Unidos da América. Apesar de ser independente e gostar de morar sozinho, quando ela decidiu ir para outro país ele ficou muito triste. Afinal, na retribuição de tanto carinho recebido, enquanto esteve no Brasil, Jeane também não media esforços para fazer o que podia para agradar e ajudar o pai.
Na data em que completou 70 anos, a casa de Seu Jânio foi palco para a celebração de seu último aniversário. Uma comemoração simples, mas marcada por muita amorosidade, com direito a refrigerante e bolo de chocolate. E teve uma pitada de confusão com a idade dele. No momento de comprarem as velas para decorar o bolo, escolheram os algarismos seis e nove, que formavam sessenta e nove. O engano somente foi percebido na hora do Parabéns. E como não tinha outro jeito, em meio a muitas risadas pela trapalhada na compra errada, as velas foram acesas e apagadas por Seu Jânio.
Jânio segue vivo, nas casas sempre cuidadas por ele. Nas cores das casas de tinta que colorem paredes. Na falta que muitos sentem do “faz tudo da família”, quando é necessária alguma manutenção doméstica. No correr tranquilo das voltas de rio onde ele costumava pescar.
Jânio nasceu em Guapó (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Jânio, Gabriella Silveira Caetano. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 18 de abril de 2022.