Sobre o Inumeráveis

Jerffeson de Souza Pardo

1976 - 2021

Foi o “motorista de ambulância” da família. Não porque ele dirigia uma, mas porque era a ele que recorriam na hora do aperto.

Filho mais velho de três irmãos homens, foi o que chamavam de “um irmão-paizão”. Como a esposa Cristiane recorda, “era a primeira pessoa a quem os amigos e a família recorriam quando tinham um problema, seja lá o que fosse: de saúde, de trabalho, financeiro; um conselho certo, um apoio, um braço amigo, que nunca faltava”.

Jerffeson cresceu numa família humilde, com pais muito trabalhadores e teve uma infância feliz, cercada de primos, brincadeiras na casa dos avós e muitas histórias engraçadas, que ele amava contar.

Adolescente, conheceu a companheira da vida toda, Cristiane. “Tínhamos por volta de 13 ou 14 anos, nos conhecemos na igreja católica do nosso bairro. Ele muito falante e eu muito séria. Começamos a namorar em um encontro, um retiro de Carnaval, na véspera do aniversário dele — eu com 17 anos e ele a um dia de completar essa mesma idade — e isso era motivo de brincadeira por eu ser ‘mais velha’”, conta a esposa.

À época, os amigos da igreja não acreditavam na união. “Diziam: 'Isso não vai dar certo, o Jerffeson é muito palhaço e a Tiane é muito certinha...'”. Ele amava contar para os amigos sobre o começo do namoro no retiro de Carnaval.

O casal namorou por nove anos. “Crescemos juntos: escola, trabalho, faculdade, formatura, primeiro emprego”. Casaram-se em 2002, ambos com 26 anos, e desde então a batalha foi a dois. Compraram o primeiro apartamento com muito esforço e depois de cinco anos de casados, tiveram o único filho, João Pedro.

Entre namoro e casamento, estiveram juntos por quase vinte e oito anos. “Sabíamos desde o primeiro momento que estaríamos juntos na vida para sempre. Nunca nos separamos, tudo foi vivido com muita paciência, muito amor e muita paz até o último momento”, recorda Tiane.

Jerffeson era um pai muito presente, sabia educar com autoridade e amor, na mesma medida. Desempregado por um ano e meio antes do falecimento, viveu intensamente esse tempo de pandemia em casa, cuidando da família, zelando por tudo e acompanhando o João Pedro de uma forma muito intensa.

Industriário, trabalhou como supervisor de produção em uma grande empresa. Funcionário por catorze anos, dedicou-se muito ao trabalho, cresceu profissionalmente e tinha o reconhecimento de todos os colegas e superiores. Atento, falava que pelo "bom dia" das pessoas ele reconhecia se estavam bem, se precisavam de ajuda, e não era raro ser conselheiro dos colegas de trabalho, alguém em que podiam confiar seus problemas. Sabia cobrar responsabilidades como ninguém. “Seu jeito doce, amigo, sempre conquistava a confiança. Sabia ser chefe, chamar a atenção, dar advertências e ainda receber o agradecimento por isso”, explica a esposa. Quando saiu da empresa, em meados de 2019, deixou muita saudade. Foi desligado por contenção de despesas. “Ele sabia, costumava me dizer: 'Estou ficando caro pra empresa’”, recorda Cristiane.

Jerffeson era uma pessoa muito simples, vivia um dia de cada vez, pé no chão. Muito trabalhador e realista, tinha seus sonhos — como viver com a família perto do mar, no Nordeste, para onde gostavam de viajar de carro —, mas não deixava de realizar e ser feliz nas pequenas coisas. Estar em casa com a família era seu maior prazer. Gostava de dançar, de tomar vinho com os amigos, de estar com as pessoas. Dizia sempre: "O que eu posso fazer pelas pessoas que amo eu faço aqui e agora, pra depois não me arrepender quando partirem". E ele não media esforços pra isso, se expôs até demais pra ajudar pessoas na pandemia.

Referência familiar, ele mesmo se intitulou “motorista de ambulância”. Só por estar presente, por perto, transmitia segurança e calma. Por isso, todo mundo que precisava de uma ajuda médica ligava logo pra ele, pra levar num pronto-socorro, pra acompanhar em alguma consulta ou exame, pra socorrer em emergências... e ele dizia: “Estou indo, só quero ser o motorista da ambulância...”. E lá ia ele contando piadas, fazendo a pessoa doente ou acidentada rir; carregava no colo quem precisasse. Ele era assim. Como quando a avó de Tiane, que ele amava, precisava de ajuda. Ele estava sempre lá, carregando no colo, levando pro hospital, acompanhando nos exames.

“Sou muito grata porque vivi um grande amor. Não houve nada que não tivéssemos falado um para o outro, nada que não tenhamos vivido intensamente nessa vida... Nossa história aqui pode não ter mais futuro, mas não faltou um passado lindo pra recordar e a esperança de que não acabou. Ele só foi na frente pra me esperar do lado de lá”, diz Cristiane, o amor de Jerffeson, deixando um recado: “Sei que a nossa vida vai inspirar cada uma das pessoas que lerem a nossa história. Esse é o meu desejo, que todos vivam intensamente com quem amam, não deixando vazios”.

Jerffeson nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 44 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Jerffeson, Cristiane Portilho Nascimento Pardo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Patrícia Coelho, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2022.